segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O POETA RIMBAUD


Foto de Graça Martins
A Traição do Eu de ARNO GRUEN

(...)A identificação com o poder enquanto meio da nossa redenção vincula-nos à lógica dos opressores. Os nossos defeitos são exactamente os mesmos dos nossos pais e da sociedade que combatemos: negamos as verdadeiras necessidades, temos medo do nosso Eu genuíno. E assim continuamos ligados ao inimigo. Henry Miller (1956) escreveu no seu ensaio sobre a grandeza e o falhanço de Rimbaud que a liberdade a que Rimbaud aspirou passou pela afirmação desenfreada do seu Ego. Tal auto-afirmação desmedida contém em si o reflexo deformado daquilo a que uma pessoa se viu exposta quando as suas próprias aspirações à autonomia foram inviabilizadas por um poder exercido sem escrúpulos. Os direitos e a individualidade de outros seres humanos são simplesmente ignorados mas, desta feita, em nome da liberdade. Segundo Henry Miller, «Isso não é liberdade nem nunca há-de ajudar-nos a encontrar a ligação, a comunhão com a Humanidade.» E a razão dessas pessoas não a encontrarem é porque a capacidade de sentir da pessoa foi lesada. Rimbaud foi filho de uma mãe cruel e fria que não quis aceitar a sua personalidade. Ela temeu a sua vitalidade e o seu calor (enquanto foi criança); e ele, embora quisesse « ver, sentir, esgotar, descobrir e exprimir tudo», no final de contas só desejava ser reconhecido por ela. Apesar da sua rebelião acabou por render-se à frieza da mãe e ao medo que ela tinha da sua vitalidade.
Aí é que está o verdadeiro trauma da nossa geração que procura algo de melhor, mais humano, mas não sabe que a própria humanidade ferida é um obstáculo à realização de tal desígnio. Por isso, Miller prossegue:« Tudo isto, para mim, só tem uma interpretação possível - que a pessoa ainda está ligada à mãe. Toda essa rebelião foi apenas pó atirado aos olhos, representou a tentativa desesperada de ocultar tal servidão». Se nos encontrarmos divididos das nossas necessidades reais, tudo tem de transformar-se numa luta. Tememos tudo que nos possa ligar ao próximo. E assim pretendemos algo daqueles que nada nos podem dar. (...)
Arno Gruen, psicanalista alemão, A Traição do Eu, Assírio & Alvim, Lisboa