sexta-feira, 9 de abril de 2010

GRAÇA MARTINS - Crónica sobre o Porto - JUP- 10 de Março de 2010 ( Jornal Universitário do Porto)

A cidade de névoa e granito

Nas minhas viagens a Lisboa, vivo com mais intensidade as diferenças gritantes entre o Porto e a Capital. Desde os três anos de idade que os meus pais vieram de Vila do Conde para o Porto. Nesta cidade frequentei a escola primária, o liceu Rainha Santa Isabel, a escola secundária e artística de Soares dos Reis e, por fim, a Faculdade de Belas Artes.
O prazer de passear na rua de Santa Catarina, frequentar o Café Majestic, as ruas 31 de Janeiro, Passos Manuel, Clérigos, a avenida dos Aliados, os cafés Piolho, ( Ancora de Ouro), Ceuta, Guarany, Brasileira e claro, as livrarias do Porto. A Leitura, a Latina, a Lello. Enfim, um mundo artístico de cafés, livrarias e galerias de arte. Foi na Galeria Alvarez, do recentemente falecido galerista Jaime Isidoro, que realizei as minhas primeiras exposições. Depois, na Cooperativa Árvore, espaço cultural de relevante importância para os artistas, dinamizada pelo escultor José Rodrigues. Mas os tempos são outros e eu também não pertenço ao grupo dos saudosistas.
O mundo é dinâmico, a vida avança e o futuro é transformação. Sou optimista por natureza e acredito no FUTURO do Porto. A cidade está bonita, mais arranjada. Respira-se uma atmosfera Europeia. No entanto, existe um forte obscurantismo. Lisboa revela fragilidades na área da recuperação, mas as pessoas que frequentam a cidade exibem um comportamento urbano e aspecto mais agradável. Relacionam-se com disponibilidade citadina, sabem apreciar os momentos do fim da tarde nas esplanadas. Há o espírito do lazer. No Porto as pessoas exprimem-se de forma agressiva, boçal. São desconfiadas. Sinto mais a diferença de classes no Porto. Mesmo nas zonas favorecidas, como a Foz, existe mendicidade. É como se o Porto do Camilo, da Agustina, do Eugénio, continuasse no século passado. Uma cidade medieval e romântica, com torres, mansardas, clarabóias, mirantes, a reflectir a sua luz multifacetada e projectada nas pesadas massas graníticas. Uma cidade de ruas estreitas e soturnas, povoada de jardins provincianos. Uma cidade enleada na prosa do Camilo. A tragédia, a sombra. Torturada por emoções enlameadas.
A BELEZA do Porto é um postal de “Recuerdo”. O Porto na sua neblina junto ao Douro e ao casario, nas aguarelas icónicas do pintor António Cruz. Essa luz única do entardecer que atinge os habitantes. E, claro, as gaivotas que sobrevoam a cidade, desesperadamente famintas. Talvez por isso o Porto seja um lugar de pintores e poetas. Afinal, a minha pintura é intimista e melancólica. Uma paleta de cores secundárias, tons quentes, por vezes trágicos, que atingem a representação das figuras na sua duplicidade, de verso e reverso.
(…)
« Descia a neblina
sobre os prédios, gaivotas
vinham da Foz. Um mendigo de barbas
atravessou a rua, despreocupadamente. »

Do poema DESCIA A NEBLINA de Isabel de Sá
Colectânea de Poesia sobre o Porto, publicações Dom Quixote, 2001

Graça Martins
Fevereiro de 2010

Poema de Isabel de Sá

SERÁ NO PRÓXIMO SÉCULO?

O nosso amor arrasou cidades. Éramos
muito jovens e pensávamos assim.
O mundo pertencia-nos. Ninguém
percebia mas nós vivíamos contra
tudo - era um acto político.

Assim alguns seres no mundo
construíram vidas, amaram
e sofreram isolados, por vezes
espoliados, queimados na fogueira.

Mas o nosso amor resistirá
às fronteiras, aos muros de fogo
e à injustiça. Gostaríamos de viver
o tempo da verdadeira transformação,
da felicidade universal.



14 de Março de 1996

Repetir o Poema, Quasi, 2005, Décimo Terceiro Livro, Erosão de Sentimentos - 1994-1996