(...) Ao mesmo tempo, a Galeria João Pedro Rodrigues expõe Broken hearts bloody hearts, da Graça Martins. Já é habitual a ligação destas duas artistas que, com estéticas tão distintas, encontram pontos de contacto valiosos. O conjunto de tels de Graça Martins é todo ele acerca de uma masculinidade difícil, uma delicadea inusitada no corpo masculino que se pode embelezar, talvez escandalosamente, para além do padrão vigente. Problematiza o lugar do homem, o lugar do amor, encontrando na delicadeza extrema uma poeticidade emocionante. Os quadros da Graça Martins sugerem-nos, por vezes, a ilusão da efemeridade por serem tão assentes no desenho e na sua filigrana por aludirem à fragilidade, à vulnerabilidade, à necessidade de cuidar ou de amar alguém.
Expõe duas séries, uma com alguns anos, em que protagoniza um menino muito novo, e outra mais recente, em que protagoniza um jovem. De comum, mantém o lado floral e vulnerável, de distinto, o dramatismo acentuando-se no jovem, que pode mesmo ser visto, na tela My killer my lover, assassinado e ensanguentado Se o amor é o grande predador, ou se somos nós próprios o nosso grande predador por enfraquecermos às mãos de alguém, será tópico que a Graça Martins explora, magoando pela junção muito impressiva da tragédia do belo.
A beleza encantatória das suas imagens é ferida pela eminência da lâmina, pelo borrão do sangue, pela cal da pele no corpo já desabitado. O que mais me fascina no excelente trabalho da Graça Martins é o modo como nos deslumbra com aquilo que, afinal, é assustador. Assusta-nos mais ainda por ser hábil a fazê-lo com o isco da beleza, como se não fôssemos capazes de deixar de nos apaixonarmos, pelas suas figuras, pela cor, pela precisão obstinada do traço do pincel.
Ainda me perseguem os pijamas que a Graça Martins desenhou, faz tanto tempo. Ainda me persegue a exactidão das linhas no curvo dos corpos e o quanto parecem criar um conforto ao olhar. São pijamas de listas pretas, um pouco como se fossem de prisioneiros mais delicados, apaixonados, talvez para falar da prisão boa que é o amor. É muito a partir destes desenhos que meço a mestria da Graça Martins. Uma artista cujos quadros se constroem por uma atenção ao universo gráfico onde a pintura sabe rentabilizar, de modo exímio, o trilho do desenho. É o rigor. Deve ser isso que quero dizer, o rigor que torna inesquecível a visão dos pijamas desenhados da artista, e que torna irresistível a esmagadora maioria do seu trabalho. Também mata. De maravilha, claro.