Video de Pedro Guimarães
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
PLANO PARA SALVAR VENEZA
I
Sentei-me numa esplanada nas margens do Grande
Canal e pedi uma coca cola... É terrível chegar ao fim
do século dos refrigerantes com esta infinita sensação
de sede.
O século vinte é um vasto deserto de poços de
petróleo. Perfurei o solo da minha terra mas o que
me saiu foi um jacto de poemas.
Prospecções recentemente efectuadas revelaram que
sob as areias movediças de Veneza se encontra um
dos maiores lençóis petrolíferos da Europa.
Esta noite tive um pesadelo. Nas minhas veias não
era sangue que corria era petróleo. E acabara eu de
descobrir um poço de sangue...
Eu não estive em Awshwitz nem em Babi Yar nem
em Mai Lai. Estive sempre aqui na cama.
& a visão da primeira bomba no céu de Hiroshima:
fez-me crescer momentâneamente a água na boca
assim como a milhares de apreciadores de cogumelos.
Einstein foi uma espécie de pirilampo uma das raras
pessoas a possuir luz própria num século onde a
maioria tacteava no escuro.
24 july 1969 5 am. Neil Armstrong punha o primeiro
pé na lua. Eu dormia profundamente. E o meu sono
tornou-se nesse momento setenta quilos mais pesado.
Desde que os americanos descobriram que as estrelas
tinham pulgas que não me deixa esta comichão
sideral.
O meu século não chegou a andar de gatas. Com oito
anos já se arrastava pelas minas de carvão pouco tempo
depois combatia nas trincheiras. E as únicas
lágrimas que lhe vi chorar foram as dos gases lacrimo-
géneos.
Picasso morreu antes que pudesse levar a cabo o seu
sonho um único fresco que ocupasse não a abóbada da
Capela Sixtina mas a abóbada celeste.
Fernando Pessoa morrera muitos anos antes numa
clínica lisboeta completamente ignorado depois de ter
colocado um padrão com a cruz das quinas num dos
areais de areia mais fina do universo.
Talvez o meu século seja uma comédia banal embora
filmada por homens de talento onde algumas estrelas
se passeiam com tanto à vontade como se fosse na Via
Láctea e de que a generalidade dos participantes des-
conhece o argumento.
II
Todos os anos o Adriático cresce alguns milímetros
sobre Veneza o século vinte ameaçado pelas águas.
O que é que se pode esperar de um século que foi
construído sobre estacas?
A melhor maneira de conhecer o meu século é de
gôndola.
Cada vez mais se apodera de mim a convicção de que
a tua salvação passa pela salvação de Veneza (se é
que não são uma e a mesma coisa).
A não ser que se tomem as devidas providências
dentro em breve será celebrada na catedral de S.
Marcos a primeira missa submarina para alguns
cardumes de peixes boquiabertos.
Antes disso porém o leão alado baterá as asas e
regressará de novo a Tiro.
Calma! Não há razão para entrarem em pânico.
Veneza não será destruída pelas águas mas sim pelo
fogo.
Eu tenho um plano concreto para salvar Veneza. O
que me parece é que ninguém está disposto a colabo-
rar comigo. Estou a ser alvo de um complot e isto não
é paranóia minha. Ainda ontem os seres vermelhos e
azuis que vivem no sótão me confirmaram o facto.
Eu sou o condottiere Bartolomeo Calleoni. Hoje
apeei-medo meu cavalo e passei anonimamente pela
minha Sereníssima República.
Quando é que a Ponte del Paradiso será de novo
aberta ao tráfego?
Aproximam-se épocas de grande religiosidade. Para
me preparar vou cultivando religiosamente a cera nos
ouvidos.
Procura-se um século barbudo e de olhos claros.
Na altura da fuga vestia umas calças de bombasina
lilás um blusão negro e um lenço branco ao pescoço.
Fugiu da História porque a História era demasiado
pequena para ele.
Testemunhas oculares reconheceram-no quando
tomava um vaporetto perto de Santa Maria della
Salutte.
Hoje descobri que era a reincarnação de um doge.
Voltei a Veneza e ainda não desisti de recuperar o
meu palácio nas margens do grande canal a uma
colónia de ratos.
Eu sou a má consciência do meu século. Tenho a
cabeça cheia de ratos e não consigo ver-me livre
deles. Nenhum raticida (o trigo roxo inclusive) se
revelou ainda eficaz.
Todas as pessoas deixam uma marca indelével no
século por onde passam uma pegada na areia ou o
nome escrito em letras de oiro no pedestal de está-
tuas. A única marca que quero deixar é uma pequena
mordedura atrás da orelha.
Sentei-me numa esplanada nas margens do Grande
Canal... A meus pés corria agora um extenso caudal
de coca cola.
Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu, Fenda Edições, 1991
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Dias de 1901
Eis o que nele o distinguia tanto:
na dissoluta vida que vivia,
com tamanha experiência do desejo,
e apesar de quanto estava acostumado
a variações de idade e de atitudes,
havia ocasionais momentos - que, é claro,
eram muito raros- em que dava
a impressão da carne quase incólume.
De seus vinte e nove anos a beleza,
que o prazer tantas vezes já pusera à prova,
por momentos lembrava surpreendentemente
um jovem que ao amor - um tanto temeroso -
entrega o puro corpo uma primeira vez.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
Carta de Amor
A Eugénio de Andrade
Um dia destes
vou-te matar
Uma manhã qualquer em que estejas (como de costume)
a medir o tesão das flores
ali no jardim de S.Lázaro
um tiro de pistola e...
Não te vou dar tempo sequer de me fixares o rosto
Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade
Adeus pois mares de Setembro e dunas de Fão
Um dia destes vou-te matar...
Uma certeira bala de pólen
mesmo sobre o coração
(in O Poeta Nu)
domingo, 28 de dezembro de 2008

Duas fotos de FREDERIK FROUMENT
sábado, 27 de dezembro de 2008
PINA BAUSCH - The Man I Love ( Gershwin)
Pina Baush a coreógrafa que revolucionou o ballet contemporâneo a partir dos anos 80. O ballet existe antes de Pina Bausch e depois de Pina Bausch.
Hoje em dia , Pina Bausch caminha em direcção à descoberta da natureza criativa mais profunda de todos os seus bailarinos. Este trabalho de conhecimento, realivamente a cada um deles, desenrola-se no âmbito de uma busca contínua, de uma naturalidade de comportamento que se exprime prescindindo de qualquer superestrutura social e cultural. Pina Bausch tende a penetrar todos os artifícios, mesmo os mais enraizados no carácter e mais definitivamente implantados. Ao trabalhar com ela, os bailarinos imergem numa relação com as próprias emoções, exacerbada até aos mínimos detalhes, num processo "de arrancar a tampa" que nunca se esgota: esta sondagem, interior ou evidente, pode chegar a ser tão sofrida e fatigante quanto apaixonante e libertadora.
Café Muller de PINA BAUSCH
A história de Café Muller : A acção é despojada e cortante. Na floresta de cadeiras vazias e gastas, pesa a angústia de uma solidão remota. Pina Bausch recorta-se ao fundo, ligeira e espectral, com uma túnica de tom claro. O passo é curto e incerto, os olhos fechados, as mãos estendidas para a frente : vidente sonâmbula , fantasma da consciência de si própria. Levada pelo som dilacerante das árias de Purcell.
Café Muller é uma lamentação de amor, uma metáfora doce e inquieta sobre a impossibilidade de um contacto profundo. é um trabalho estruturalmente simples e emocionalmente flagelante, que impressiona pela sua pureza e coerência. A desolação ambiental, o langor fúnebre, a violência da tipificação do relacionamento do casal, constituem todos elementos de verdade, de absoluta sinceridade expressiva.
Leonetta Bentivoglio - O teatro de Pina Bausch, Acarte, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Nasceu a 10 de Outubro de 1930 em Londres, terminou a sua passagem em 24 de Dezembro de 2008. Foi actor, director, poeta, guionista e um dos maiores dramaturgos do Séc.XX. Destacou-se como activista político britânico bastante incómodo.
Foi um dos grandes representantes do teatro do absurdo, junto com Samuel Beckett e Eugéne Ionesco. Em 2005 recebeu o prémio Nobel da Literatura e o prémio Companion of Honour da Rainha de Inglaterra, pelos serviços prestados à literatura.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
sábado, 20 de dezembro de 2008
maldição contra quem não ama quem deve
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
POEMA DE valter hugo mãe
o poeta nu
um dia apareceu um poeta sem pétalas. nunca tal se vira. sem pétalas, dizia-se, estava igual a nu, coberto de nada que o diferisse, como se ser poeta não trouxesse marcas à flor da pele. algumas pessoas riram-se nervosamente, e só por isso o estranho poeta se foi embora sem outra notícia
folclore íntimo, poesia reunida, COSMORAMA EDIÇÕES
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
PARABÉNS PARA A ANA MILHAZES VENCEDORA DO 8 E MEIO/VIDEO E PARA A PERFORMANCE DAS VÁRIAS MENINAS QUE APARECEM NESTE VIDEO E QUE CONHEÇO MUITO BEM. A MINHA EX ALUNA BÁRBARA REBELO QUE ALÉM DE UMA ÓPTIMA DESENHADORA TAMBÉM COME CHOCOLATES (...) Come chocolates pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. (...) fragmento do poema Tabacaria de Álvaro de Campos, Obras Completas de Fernando Pessoa, edições Ática, Lisboa, 1974).
Obrigada Pedro (blog : Cavalo de Pau) pela ajuda em colocar o video no meu blog.
domingo, 7 de dezembro de 2008
sábado, 6 de dezembro de 2008
Escritos em forma de grafonola
sábado, 29 de novembro de 2008
Réquiem por Ruth Handler
Morreu ontem a mãe da Barbie,
a boneca adolescente. À semelhança de
Atena, Barbie saiu armada dum
cérebro, não divino, mas industrioso,
com a longa cabeleira e a azúlea mirada.
Morreu a mãe da Barbie, a filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de sutiã 38 e de 33 polegadas
de altura. Trinta e três polegadas
multidesejantes de sonho
anatomicamente impossível.
Morreu a mãe da Barbie, que
faz balé, esqui, patins em linha e
todos os desportos radicais e tem
um namorado elegante que jamais
a trairá e amigos tão anatomicamente
imperfeitos como ela.
Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas com muitos
vestidos de gala e emagreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente.
Morreu a mãe da Barbie, que jamais
a viu, assim anatomicamente imutável,
padecer de uma gravidez adolescente.
A Barbie é sabida e deve ter tido educação
sexual. Que fará ela com o Ken
no regresso de tantas festas?
Nem paixão nem desgosto nem fome
ou uma boa sova dos adultos alteram
a sua fábula de plástico, muito menos
fabulosa do que a de Branca de Neve ou a
da Bela Adormecida, onde existiam
humanas bruxas, vencidas maldições
e príncipes que davam beijos para acordar.
Morreu a mãe da Barbie, cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou com explosivos escondidos no cinto. No
fim da vida continuava a vender milhões
de próteses mamárias, na seqüência da sua
própria mastectomia. Coisas sem brilho,
impossíveis de acontecer à Barbie.