sábado, 30 de agosto de 2008

MARÍA ZAMBRANO
A Metáfora do Coração e outros escritos
(...)O amor transcende sempre, é o agente de toda a transcendência. Abre o futuro; não o porvir, que é o amanhã que se pressupõe certo, repetição com variações do hoje e réplica do ontem. O futuro essa abertura sem limite, para outra vida que nos aparece como a vida de verdade. O futuro que atrai também a História.
Mas o amor lança-nos para o futuro, obrigando-nos a transcender tudo o que concede. A sua promessa indecifrável desacredita tudo o que consegue, toda a realização. O amor é o agente de destruição mais poderoso, porque, ao descobrir a inanidade do seu objecto, deixa livre um vazio, um nada que é aterrador no princípio de ser apercebido. É o abismo em que se some não somente o amado, mas a própria vida, a própria realidade do que ama. É o amor que descobre a realidade e a inanidade das coisas, e que descobre o não ser e até o nada.
(...)A consciência aumenta após um desengano de amor, como a própria alma se dilatara com o seu engano.
Mas não existe engano algum no amor, que, por o haver, obedece à necessidade da sua essência. Porque, ao descobrir a realidade no duplo sentido do objecto amado e do que ama, a consciência de quem ama não sabe situar essa realidade que a transcende. Se não houvesse engano, não haveria transcendência, porque permaneceríamos sempre encerrados dentro dos mesmos lomites.
(...)Pois o amor que integra a pessoa, agente da sua unidade, condu-la à sua entrega; exige fazer do próprio ser uma oferenda, isso que é tão difícil de dizer hoje: um sacrifício. E este abatimento que há no próprio centro do sacrifício antecipa a morte. O que verdadeiramente ama, aprende a morrer. é uma verdadeira aprendizagem para a morte.
(...) O amor aparecerá perante o olhar do mundo na época moderna como amor-paixão. Mas essa paixão, essas paixões, quando se dão realmente, serão, têm sido sempre, os episódios da sua grande história semi-escondida. Estações necessárias para que o amor possa dar o seu último fruto, para que possa actuar como instrumento de consumação, como fogo que depura e como conhecimento.
María Zambrano, filósofa, tradução de José Bento, ASSÍRIO & ALVIM

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