A visão do coração
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O coração em chamas ou o fogo do coração é uma metáfora, a forma de que se revestiu nas suas aparências históricas. Mas na terminologia popular, nessa vida que o «coração»levou em seus fieis territórios, o coração não é fogo, mas parece apresentar-se em símbolos espaciais: é como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juizos e daquilo que pode ser explicado. é amplo e também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada. Encontrar também a solução de um conflito interior quando se caiu num labirinto inextrincável por obra das enredadas circunstâncias. Nesta cultura permanente do coração, não arde como fogo mas como chama, chama que não produz dor mas felicidade. E é luz que ilumina para sair de impossíveis dificuldades, luz suave que dá consolo. Nesta mesma cultura, o coração tem feridas; lentas, às vezes impossíveis de sarar; dir-se-ia que as feridas nele nunca se fecham porque têm um certo carácter activo, são feridas vivas, como feridas, das quais emana constantemente uma gota de sangue que impede a sua cicatrização. E, por último, o coração pesa; e é o pior, pode fazer sentir o seu peso, que equivale ao do universo inteiro, como se nele, pesasse a vida de alguém que, na vida, não pode já vivê-la. (...)
A Metáfora do Coração, Assírio & Alvim, Lisboa, 1993
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