valter hugo mãe
o freud senta-se aos pés da cama
temos os dois exactamente o mesmo
sonho à noite. o freud senta-se aos pés da
cama e angustia-se. por definição, ele
estará ali horas, como em túneis, optando
por mais túneis, escondendo extremamente
o motivo por que veio falar-nos. a mim,
desespera-me o facto de me ser impossível
entender alemão e aconselhá-lo no caminho
para a felicidade. o bruno regozija no
momento em que julga ter conseguido um
autógrafo válido para depois de acordar.
acordamos.na minha casa o silêncio
parece ainda esconder a presença do freud. na casa
do bruno não está ninguém. ele diz-me,
a cada noite me fica mais distante a
conclusão do universo, a ternura da vida, a
explicação vocabular. Há como que um
emudecimento contínuo que nos levará a
uma anulação completa da existência. eu
admiro o freud por nos ter denunciado e nos
procurar para expiação da sua eternidade. eu
odeio acordar sem garantia de que a vigília
me será mais favorável do que o sono, porque
a cada noite me fica mais distante a
conclusão do universo, a ternura da vida, a
explicação vocabular.
podemos fazer festas ao freud como a um
gato que se aninha tão coitado. mas
a psicose ressente o pai e dá-nos para
sangrar como torneiras abertas sobre
o mais provável do futuro. sabemos que
não vamos ser felizes. mas impomos a
nossa existência aos gritos, e queremos
manter tudo assim, hirtos no combate
diário e em exultantes modos, somos como
varas de fogo de artifício e, perseguidos
por freud, não deixamos de ser deslumbrantes
e maravilhar as fileiras de mulheres alistadas
para a nossa guerra
vem cá bichano, está tudo bem, é o freud, sim,
mais uma vez sentado aos pés da cama
folclore íntimo,cosmorama edições, 2008
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