terça-feira, 3 de março de 2009

JUAN LUÍS PANERO

O QUE RESTA DOS VIOLINOS

Quando te esqueceres do meu nome,
quando o meu corpo for apenas uma sombra
a apagar-se entre as húmidas paredes daquele quarto.
Quando já não te chegar o eco da minha voz
nem ressoarem as minhas palavras,
então, peço-te que te lembres de que fomos
uma tarde, umas horas, felizes juntos e foi belo viver.
Era um domingo em Hampstead, com a frágil primavera de Abril
pousada sobre os rebentos dos castanheiros.
Passavam para a igreja apressadas freiras irlandesas,
crianças, endomingadas e bisonhas, pela mão.
Em cima, atrás das sebes, na verde penumbra do parque,
dois homens beijavam-se lentamente.
Tu chegaste, sem que me desse conta apareceste e começámos a falar,
tropeçámos de riso nas palavras, balbuciávamos
no estranho idioma que nem a ti nem a mim pertencia.
De seguida fizeste-te pequena nos meus braços
e a erva acolheu os teus cabelos escuros.
Depois as escadas sombrias, longas e estreitas,
o tapete com cinza e gordura,
os teus pequenos seios desolados na minha boca.
Sim, às vezes é simples e é belo viver,
quero que recordes, que não esqueças
a passagem daquelas horas, o seu esperançado resplendor.
Eu também, longe de ti, quando perdida na memória
estiver a sede do teu sorriso, lembrar-me-ei, tal como agora,
enquanto escrevo estas palavras para todos aqueles
que por um momento, sem promessas nem dádivas, limpamente se entregam.
Desconhecendo raças ou razões se fundem
num único corpo mais aventurado
e depois, acalmado já o instinto,
se separam e cumprem o seu destino
e sabem que, talvez só por isso,
a sua existência não foi em vão.

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, 2003

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