quarta-feira, 11 de março de 2009

Poema de João Rios

Dez passos depois das árvores
1
no agudo labor das trevas dos dedos
acolhe o amante o campo de batalha
quer num círculo de sangue vencer a
usura de uma flor quebrada
2
flutuam as calças dos amantes abrem as guelras
ouvem-se morrendo na voz que é trapo de vento sitiado pelo mar
3
estão antes de deus mergulhados na inocência
dos frutos acrescentados pela cegueira que
pensa ser casa do corpo mas algo inquebrável neles se agita e brota do feno evolando-se
num instante pássaro agredindo o fulgor
da cabeça e as mãos desviam-se em correria feito água absorvendo-se curiosas no acto da faca que é o ventre talhado sobre a mesa
4
os amantes ramificam-se no interior da noite oferecem a urze dos cabelos que são livros pousados à espera do arremesso do sexo
livros suspensos pelo fósforo das lombadas que ultrapassam a impureza dos amplexos e se dão por bastardos da ignorância do ar
5
se o que os atravessa se despenha no horto como pedras exaustas de ter pássaros doendo nas raízes
acordam os pés cegam as árvores
são uma paisagem de costas atando-os à robustez equídea que os ocupa
6
é um coágulo de flor no sono a bruma
ou pulso abatendo-se sobre as suas cabeças desabotoando-se ascende arrastando a memória pelos cabelos porque os seus dentes são inexpugnáveis estames sorvendo o oxigénio
7
deitam-se depois das árvores vagarosamente
escorrendo o seu peso desembruxados dos
gravetos que os sustentam debulham os ecos
de deus entornam-se na pele atordoada dos
frutos
chamam ao silêncio restos das aparências do mundo levitam inchados na teia dos mamilos
procuram no útero os tendões de um sismo

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