quinta-feira, 30 de abril de 2009
CORPO
Corpo serenamente construído
Para uma vida que depois se perde
Em fúria e em desencontro vivido
Contra a pureza inteira dos teus ombros.
Pudesse eu reter-te no espelho
Ausente e mudo a todo outro convívio
Reter o claro nó dos teus joelhos
Que vão rasgando o vidro dos espelhos.
Pudesse eu reter-te nessas tardes
Que desenhavam a linha dos teus flancos
Rodeados pelo ar agradecido.
Corpo brilhante de nudez intensa
Por sucessivas ondas construído
Em colunas assente como um templo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Corpo serenamente construído
Para uma vida que depois se perde
Em fúria e em desencontro vivido
Contra a pureza inteira dos teus ombros.
Pudesse eu reter-te no espelho
Ausente e mudo a todo outro convívio
Reter o claro nó dos teus joelhos
Que vão rasgando o vidro dos espelhos.
Pudesse eu reter-te nessas tardes
Que desenhavam a linha dos teus flancos
Rodeados pelo ar agradecido.
Corpo brilhante de nudez intensa
Por sucessivas ondas construído
Em colunas assente como um templo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 26 de abril de 2009
sábado, 25 de abril de 2009
PORQUE
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre devidendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre devidendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner Andresen
AS PESSOAS SENSÍVEIS
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
Porque cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
Enão:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
ó cheiros de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
AS PESSOAS SENSÍVEIS
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
Porque cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
Enão:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
ó cheiros de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
quinta-feira, 23 de abril de 2009
quarta-feira, 22 de abril de 2009
terça-feira, 21 de abril de 2009
AL BERTO
Vestígios
noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras
hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se
onde se pode - num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
livro, Horto de Incêndio
Vestígios
noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras
hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se
onde se pode - num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
livro, Horto de Incêndio
quinta-feira, 16 de abril de 2009
NÓS NÓS NÓS NÓS NÓS
ISABEL LHANO
ISABEL LHANO
18 de Abril a 16 de Maio
Galeria Artes Solar de St. António
Galeria Artes Solar de St. António
Rua do Rosário, nº84, Porto
(…)
As mãos que se vêem nestas telas são como entidades completas, bastam-se a si mesmas para o que importa no discurso desta exposição. Ficam como seres inteiros que se recebem mutuamente e se relacionam produzindo no espectador um efeito imediato de conforto, ansiedade, rejeição, paixão, cumplicidade, etc
(…)
As mãos que se vêem nestas telas são como entidades completas, bastam-se a si mesmas para o que importa no discurso desta exposição. Ficam como seres inteiros que se recebem mutuamente e se relacionam produzindo no espectador um efeito imediato de conforto, ansiedade, rejeição, paixão, cumplicidade, etc
(...)
valter Hugo mãe
ATITUDES URBANAS NA CIDADE DO PORTO
Programa "Regime de 1/2 Pensão"
RESIDÊNCIAS:
Isabel Carvalho
- Café Guarany
16.Abr > 11:00 - 13:00 / tarde - horário livre / 21:00 - 24:00
17.Abr > 10:00 - 12:00
18.Abr > 11:00 - 13:00 / tarde - horário livre / 21:00 - 23:00
João Gesta
- Leitaria da Quinta do Paço
16.Abr > 14:30 - 18:30
17.Abr > 14:30 - 18:30
18.Abr > 14:30 - 18:30
Jorge Andrade
- Plano B
16.Abr > 22:00 - 02:00
17.Abr > 22:00 - 02:00
Pedro Eiras
- Café Ceuta
16.Abr > 10:30 - 14:30
17.Abr > 10:30 - 14:30
18.Abr > 16:30 - 22:00
valter hugo mãe
- Maus Hábitos
16.Abr > 23:00 - 02:00
17.Abr > 23:00 - 02:00
18.Abr > 22:00 - 01:00
Apresentações de Trabalhos
João Gesta
- Leitaria da Quinta do Paço
18.Abr > 17:30 - 18:30
Pedro Eiras
- Café Ceuta
18.Abr > 21:00 - 22:00
Isabel Carvalho
- Café Guarany
18.Abr > 22:00 - 23:00
Jorge Andrade
- Plano B
18.Abr > 23:00 - 23:59
valter hugo mãe
- Maus Hábitos
18.Abr > 23:59 - 01:00
Programa "Regime de 1/2 Pensão"
RESIDÊNCIAS:
Isabel Carvalho
- Café Guarany
16.Abr > 11:00 - 13:00 / tarde - horário livre / 21:00 - 24:00
17.Abr > 10:00 - 12:00
18.Abr > 11:00 - 13:00 / tarde - horário livre / 21:00 - 23:00
João Gesta
- Leitaria da Quinta do Paço
16.Abr > 14:30 - 18:30
17.Abr > 14:30 - 18:30
18.Abr > 14:30 - 18:30
Jorge Andrade
- Plano B
16.Abr > 22:00 - 02:00
17.Abr > 22:00 - 02:00
Pedro Eiras
- Café Ceuta
16.Abr > 10:30 - 14:30
17.Abr > 10:30 - 14:30
18.Abr > 16:30 - 22:00
valter hugo mãe
- Maus Hábitos
16.Abr > 23:00 - 02:00
17.Abr > 23:00 - 02:00
18.Abr > 22:00 - 01:00
Apresentações de Trabalhos
João Gesta
- Leitaria da Quinta do Paço
18.Abr > 17:30 - 18:30
Pedro Eiras
- Café Ceuta
18.Abr > 21:00 - 22:00
Isabel Carvalho
- Café Guarany
18.Abr > 22:00 - 23:00
Jorge Andrade
- Plano B
18.Abr > 23:00 - 23:59
valter hugo mãe
- Maus Hábitos
18.Abr > 23:59 - 01:00
sábado, 11 de abril de 2009
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Poema de MANUEL DE FREITAS
LICEU SÁ DA BANDEIRA
Quando somos demasiado novos
e o tapume de sentidos e vontades
nos obriga ao inferno real da escrita,
pouco adianta acrescentar
que esses passos num abismo alheio
não interessavam sequer à ocasional
professora de português que, entre duas
bicas, nos falava do monóculo de Cesário.
Eu confundo tudo - até já de pronome
mudo (e rimo). Na verdade, talvez tenha
amado essa magra professora de liceu
que só me leu (se é que leu) passados
muitos anos. Mas o que importa, neste poema,
é o susto com que chegamos às palavras
que não temos. Enquanto a dor, apenas,
se revela soberana e intransmissível.
Havia o Campos, Sá-Carneiro
-descobertos por acaso na pequena
livraria que em breve terá de sofrer
a sombra do maior centro comercial
de Santarém. Mas depois era o deserto.
E em minha casa apenas se liam
(se é que se liam) sonetos das primas
pelas mesmas editados, tão incertas
em grau quanto em talento.
Não gosto de lhe chamar destino,
mas houve uma espécie de sorte
nesse azar imenso (estar vivo,
numa cidade indizivelmente bronca):
Dois crepúsculos que a penosa biblioteca
do liceu me fez seguir durante meses,
deixando que a cicuta e o assombro
se conformassem a «sons e sentidos»
que não eram, nem poderiam ser, os meus.
Alguns desses nomes viriam talvez
a salvar-me. Não de mim, claro,
mas do esterco mais ou menos consensual
dos que então se tinham por poetas.
Eu não percebia: como pode um poeta
não sofrer? Já disse que confundia tudo:
a biografia e a obra, antes de mais, mas
também, num plano diverso, a clamorosa
insignificância em que me pareciam comungar
os malabaristas de escola, os secos
& institucionais ou os que pelo escárnio
e pela ruptura queriam o mesmo e assinavam.
Provavelmente, não me estava a enganar.
Eram dos que iam realmente às escolas,
o que ajuda a tirar dúvidas (que me desculpe
a Sophia, que também lá foi uma tarde).
E ou viviam disso ou sempre garantiam
férias mais folgadas num paraíso suburbano.
Eu preferia ficar em casa, a ler por exemplo a Florbela.
Quantos poemas dela não passei à máquina...
Esses e os outros, os que escrevia mal e tão bem
fui sabendo deitar fora. Tinha dezassete
anos, vontade de morrer, maus hábitos.
Não sei se o país mudou. Eu não.
Haverá mais estradas, menos lugar
para o corpo e, nas letras, os do costume
foram como se previa substituídos
pelos mais novos do costume. «Já cansa
a cona, caramba». diria o Mário
-que nunca fez exactamente parte deste
horror quotidiano sem reabilitação possível.
Desenganem-se. Há muito pouco a reter
disto a quem um atávico pudor nos impede
de chamar morte. Talvez aquele primeiro
corpo, numa praia a que não voltei
nem voltou a anoitecer assim. Ou o diálogo
perfeito entre uma pavana de Byrd
e o mar de Santa Cruz. A poesia, se quisermos
insistir no termo, começa no corpo
(cf. Herberto Helder) para acabar num livro
- ou em lado nenhum, que é o melhor dos destinos.
Do Liceu Sá da Bandeira até ao fim do mundo.
Quando somos demasiado novos
e o tapume de sentidos e vontades
nos obriga ao inferno real da escrita,
pouco adianta acrescentar
que esses passos num abismo alheio
não interessavam sequer à ocasional
professora de português que, entre duas
bicas, nos falava do monóculo de Cesário.
Eu confundo tudo - até já de pronome
mudo (e rimo). Na verdade, talvez tenha
amado essa magra professora de liceu
que só me leu (se é que leu) passados
muitos anos. Mas o que importa, neste poema,
é o susto com que chegamos às palavras
que não temos. Enquanto a dor, apenas,
se revela soberana e intransmissível.
Havia o Campos, Sá-Carneiro
-descobertos por acaso na pequena
livraria que em breve terá de sofrer
a sombra do maior centro comercial
de Santarém. Mas depois era o deserto.
E em minha casa apenas se liam
(se é que se liam) sonetos das primas
pelas mesmas editados, tão incertas
em grau quanto em talento.
Não gosto de lhe chamar destino,
mas houve uma espécie de sorte
nesse azar imenso (estar vivo,
numa cidade indizivelmente bronca):
Dois crepúsculos que a penosa biblioteca
do liceu me fez seguir durante meses,
deixando que a cicuta e o assombro
se conformassem a «sons e sentidos»
que não eram, nem poderiam ser, os meus.
Alguns desses nomes viriam talvez
a salvar-me. Não de mim, claro,
mas do esterco mais ou menos consensual
dos que então se tinham por poetas.
Eu não percebia: como pode um poeta
não sofrer? Já disse que confundia tudo:
a biografia e a obra, antes de mais, mas
também, num plano diverso, a clamorosa
insignificância em que me pareciam comungar
os malabaristas de escola, os secos
& institucionais ou os que pelo escárnio
e pela ruptura queriam o mesmo e assinavam.
Provavelmente, não me estava a enganar.
Eram dos que iam realmente às escolas,
o que ajuda a tirar dúvidas (que me desculpe
a Sophia, que também lá foi uma tarde).
E ou viviam disso ou sempre garantiam
férias mais folgadas num paraíso suburbano.
Eu preferia ficar em casa, a ler por exemplo a Florbela.
Quantos poemas dela não passei à máquina...
Esses e os outros, os que escrevia mal e tão bem
fui sabendo deitar fora. Tinha dezassete
anos, vontade de morrer, maus hábitos.
Não sei se o país mudou. Eu não.
Haverá mais estradas, menos lugar
para o corpo e, nas letras, os do costume
foram como se previa substituídos
pelos mais novos do costume. «Já cansa
a cona, caramba». diria o Mário
-que nunca fez exactamente parte deste
horror quotidiano sem reabilitação possível.
Desenganem-se. Há muito pouco a reter
disto a quem um atávico pudor nos impede
de chamar morte. Talvez aquele primeiro
corpo, numa praia a que não voltei
nem voltou a anoitecer assim. Ou o diálogo
perfeito entre uma pavana de Byrd
e o mar de Santa Cruz. A poesia, se quisermos
insistir no termo, começa no corpo
(cf. Herberto Helder) para acabar num livro
- ou em lado nenhum, que é o melhor dos destinos.
Do Liceu Sá da Bandeira até ao fim do mundo.
Na minha passagem por Lisboa, nestas mini-férias de Páscoa, visitei duas livrarias que me interessaram: Livraria Poesia Incompleta e Letra Livre.
Na Livraria Letra Livre admirei a organização das estantes e o destaque por editoras.
Uma prateleira de comprimento razoável, para os livros da editora de culto & etc, do meu querido amigo Vitor Silva Tavares, outras para os livros da editora Averno, Frenesi e muitas mais. Os livros alinhados, bem conservados. Algumas raridades.
Falo destas editoras porque os livros expostos são essencialmente de POESIA.
Foto de Hedi Slimane
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Livraria de POESIA Poesia Incompleta
Estive uns dias em Lisboa e adorei conhecer o Changuito e a sua Livraria.
O respirar de um conceito de livraria, o respeito pelos autores/obras.
http://poesia-incompleta.blogspot.com/
Estive uns dias em Lisboa e adorei conhecer o Changuito e a sua Livraria.
O respirar de um conceito de livraria, o respeito pelos autores/obras.
http://poesia-incompleta.blogspot.com/
domingo, 5 de abril de 2009
sábado, 4 de abril de 2009
A PROPÓSITO DA PÁTRIA
(...)
(...)
Mas quanto mais infantilizados e incultos nos tornarmos, mais facilmente seremos dominados, tal como o fomos quando éramos maioritariamente analfabetos. Ler e dar a ler livros de qualidade não poderia então ser um dos nossos deveres para com a pátria?»
Maria do Rosário Pedreira
(...)
Comboios apitam, o vento mudou,
nublou-se o céu. O povo tem
uns trocos, vai a todo o lado.
Tem aquele gosto ofuscante
no vestuário e cospe para o chão.
Na classe política muitos javardos
aprendem com o livre trânsito.
Aparentam serenidade, apenas
um sorriso para encobrir a vergonha,
a pobreza de sermos tão sós. Os hoteis
de luxo repletos de turistas
da Comunidade. Vestem calções,
calçam chinelos de piscina, sentem-se
à vontade na pátria de Camões.
(...)
Isabel de Sá, Erosão de Sentimentos, 1994/1996. Décimo terceiro livro, integrado em Repetir o Poema, Quasi edições, 2005
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