sábado, 4 de julho de 2009

A AMIZADE ESTÁ EM DECLÍNIO E A SOLIDÃO EM ASCENSÃO

A amizade está em declínio e a solidão em ascensão. Qualquer um pode constatar isso no mundo contemporâneo. Os laços humanos tornam-se cada vez mais frágeis porque vivemos numa época em que tudo se “liquefaz”, usando a imagem de Z. Bauman. Hoje, antes mesmo que uma amizade se solidifique, ela está condenada a evaporar-se frustrando a intenção sincera dos pretensos amigos. O amor também facilmente se evapora. Aliás, a própria vida escorre, rapidamente, sem que possamos aproveitá-la intensamente como parecia acontecer com os antigos. Vivemos a época das grandes manifestações de massa, das grandes multidões que acorrem aos estádios para assistir ao futebol, ao culto religioso, à banda de rock, ao partido político ou ao carisma de um falso ídolo, mas nunca nos sentimos tão sós e sem vínculos autênticos de amizade.
Nos dias de hoje já não importa ter amizades autênticas, mas relacionamentos úteis. O outro é avaliado para ser nosso amigo instrumental, em função de interesses mesquinhos. Importa menos um encontro consumatório, para conversar por conversar, do que estar conectado na rede, para trocar e-mails, participar de um chat, ser incluído num grupo qualquer, ou simplesmente jogar, jogar e jogar em rede com os “amigos virtuais”. A conexão da Internet ou do telemovel promete um prazer mais forte do que estar “ao vivo” com o outro. Cresce o número de gente que se sente intoxicada de gente, daí cada um inventa uma fuga: um relacionamento de faz-de-conta, contactos apenas virtuais, arrumar um bichinho de estimação, viver em algum lugar solitário. A atitude avessa às pessoas não é só adoptada apenas por escritores e cientistas; costuma fazer parte de pessoas que vivem o quotidiano académico, não obstante o imperativo de eles terem que conviver com alunos e colegas. “Seria bom trabalhar numa universidade que não tivesse alunos”, diz um pesquisador que odeia ensinar. Outro confidenciou-me que não acreditava mais na amizade. Um erudito tentou convencer-me de que com a fragmentação irreversível da nossa época, resta cada um ficar na sua casa, e “conversar” com Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, apenas com gente que abre o caminho da sabedoria e da ascese. Segundo esse erudito “é mais proveitoso conversar com os "seus" amigos, pensadores, do que com especialistas da nossa época”. Hoje é fácil descartar amizades potenciais. A falta de disponibilidade para a amizade verdadeira é tamanha que torna-se visível a resistência para continuar uma conversa que mal teve um início. Não raro, as poucas amizades que ousam ultrapassar a barreira do estereótipo precisam vencer as contingências que concorrem para descartá-las, ou podem simplesmente serem toleradas por interesses profissionais, institucionais, políticos, académicos, comunitários, ou mesmo familiares. Entretanto, segundo Alberoni (1993), essas indicações, acima, nada têm a ver com o conceito de amizade. Militantes não são amigos, o que existe entre eles é a lealdade na “causa” revolucionária. Alguém disse que – especialmente em período de crise política – a política não só separa amigos de inimigos, separa também amigos de amigos e, pior, tende a juntar inimigos conforme interesses de momento.
Onde as relações são instrumentais não existe verdadeira amizade. As amizades sustentam-se apenas onde as relações são consumatórias. Na amizade – e no amor, também – sobressai o impulso natural e o sentido consumatório da relação de querer estar com o outro, e basta!
Os gregos antigos são fonte de inspiração sobre a amizade:
Para Epicuro (341-270 a.C) “embora não altere o sofrimento nem possa evitar a morte, [a amizade ou philia] ajuda a suportá-la (...).
Sócrates (469-399 a.C.) também não se cansava de dizer que o maior bem que tinha na vida eram os amigos. Entretanto, angariou para si muitos inimigos.
Homem do nosso tempo, o sociólogo italiano Alberoni (op.cit.), observa com propriedade que
amizade só é possível entre “iguais ou entre aqueles que vivem a mesma condição humana. É mais sábio e gratificante para todo o ser humano ser levado por esse “impulso natural” que é a amizade do que ser movido por interesses supostamente elevados, onde o outro é reduzido a um mero objeto-instrumento de uma causa. Foi publicada uma pesquisa em 2005 sobre a relação entre amizade e saúde; além de dar sentido existencial, proporciona saúde física e bem estar às pessoas envolvidas nesse vínculo afectivo. Finalizo com uma observação do escritor José Carlos Leal: “Desconfie de uma pessoa que chama a todos de amigos. Porque, se ele chama a todos de amigos, provavelmente não se sente amigo de todos”.
Frank Hall Crane

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