sexta-feira, 28 de agosto de 2009

5 poemas de

JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES


Era como estar só. Mas
estar só e feliz.
A varanda envidraçada,
o cheiro do café, um ramo
chamado sono.
Sombras de sol batiam
no chão de madeira velha.
Restos de água da noite
brilhavam nos vidros
os primeiros insectos.
A maresia das aves costeiras
lanceoladas de luz.
Os olhos pousavam à espera
de te voltar a ver.


Estava ali por esse dia.
Diante da janela, além
nos bancos de trás. Sorriu,
o ar ergueu-se em labirintos,
a tarde pousou-lhe na tez.
A cultura tornou-se um conflito
de desalento. No fim da aula
fomos tomar café.

Diante dos outros tocava só
na sua chávena, no maço
dos cigarros, era o seu corpo
que eu queria atingir.

Não és real, eu não existo.
Raizes desertas do auriga.


De novo o perfume se sentava
sereno e moreno no lugar
ao meu lado do carro, ia
pela noite de verão até
à sua casa, crescia
para a porta por abrir.

E voltava-se e ria e pedia
um último beijo com as luzes
nos máximos para ninguém
nos ver. Os pés hesitam no
asfalto, as mãos remordem
a beira da janela.


olhava nos meus ombros
o peso do seu pior adeus.


O cabelo rasgado de carícias, o orvalho da camisa.
Peguei no vidro dos sais, no sabonete
com musgo de linho, no ígneo frasco
de champô à névoa tão tensa
da lâmpada turva. O sândalo,
o bálsamo servo com vapor de mal.

Quando danço contigo as romãs do jardim
ardem no seu sangue. Quando danço contigo
no terror do salão tu és a viagem
mais rápida do meu olhar. Pego num copo
donde te vi beber e esmago-o
como se te apertasse a mão.


Meu amigo, amigo que depois foste de nós dois,
abençoado de rosto e corpo, gardasses-me tu
na convulsão de tábuas de um abraço,
nessa prisão que na altura não entendi.
Seria agora um galardão, uma honra tão alta
na memória, não apenas uma noite,
dessas curvadas pela despedida. Desse-me Deus
de novo, meu amigo, o torreão, a desordem , os teus passos,
esses laços que podia ser eu a desatar. Nada
em toda a extensão e duração do mundo
desejava mais do que dizer-te: foste
quem naufragou em maior temor e amor
a minha, a nossa - é difícil dizer - vida.


Uma luz com um toldo vermelho, colecção forma, Editorial Presença, Lisboa, 1990


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