quarta-feira, 28 de outubro de 2009

JUKEBOX - 4 POEMAS DE MANUEL DE FREITAS

JOY DIVISION

Arrastávamos por adegas e cocheiras
um tremor de ganza e de
mau vinho, um destino sem razão.

E julgávamo-nos urbanos,
suburbanos- como se a dor tivesse
tempo a perder com geografias
ou nos pudessem valer esses corações
de plástico, colados a t-shirts pretas.

«Here are the young men»,
agora que se tornou inútil
contar de novo a ninguém
aquele sorriso enforcado
que durará até ao fim do mundo.



NICK CAVE & THE BAD SEEDS, 2001

Agora que Nick Cave já passou
dos quarenta ( e a nós, Rui,
pouco nos falta) nem vale a pena
reparar na dança irrequieta do violino
ou dos actorzinhos de merda
que vieram substituir os punks,
os skins, outras modas igualmente tristes.

Vinte anos depois - como tu gostas
de sublinhar -, não sabemos já o que fazer
à morte, a este inútil sobejo de vida que
deixámos de mostrar aos porteiros da noite

ou do inferno, coisas de que podemos
enfim sorrir. Mas as lágrimas, de
há vinte anos, talvez fossem preferíveis.




PINA BAUSCH, 2008


Muller,
Café Muller.

A morte sabe onde fica.



PORTISHEAD,1999

«Las rosas de papel son, en verdad,
demasiado encendidas para el pecho.»

JAIME GIL DE BIEDMA


«It could be sweet» - mas a verdade
é que nunca mais foi tão contundente
a bruma dos eléctricos no Loreto,
enquanto, pela primeira vez,
os meus braços já não queriam desistir.

Dançava até ao fim da noite nos últimos bares
e escrevia poemas sobre ti, invariavelmente:
rosas mal acesas neste peito de papel,
gestos que só o excesso e o desejo perdoavam.

Desconhecia ainda que vida, amor
ou morte são palavras insonoras,
coisas que não se dizem
mas inquinariam, tanto tempo depois,
os passos todos que não demos,
as manhãs que nos encontraram juntos.


JUKEBOX 2, de Manuel de Freitas, com uma fotografia de Inês Dias, foi composto por Paulo Araújo (Teatro de Vila Real) e impresso na Dom Texto, em Outubro de 2008, numa tiragem de 400 exemplares.

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