HÁ UM LUGAR CHAMADO MEDO
UM
Há um lugar chamado medo
A cidade, ao longe o ruído.
Ficámos sózinhos, peças de xadrez
na mancha escura do silêncio,
de um lado para o outro,
à espera.
Não me disseram que o tempo passaria
e tu também. A morte repetida
como se fosse a primeira vez.
No longo e doloroso abraço,
o sabor amargo da vida
tornou-se lei
DOIS
O sangue risca as páginas,
dizes que não queres nada.
As tuas mãos, na pressa
de quem não tem tempo a perder,
tomaram-me conta do corpo.
Depois, atiraste as cinzas
para a rua. Perderam-se na chuva.
TRÊS
À hora em que a chuva
faz das estradas espelho
e a cidade se duplica,
dentro de ti encontro
o calor que me salva da morte
e me prende outra vez ao teu corpo.
QUATRO
Por vezes não sei dizer-te
que sou o ar e as paredes
da casa onde te refugias.
Arremessei a minha vida
num abraço queimado pelo medo.
Procuro um lugar onde o tempo
perdoe a solidão.
Esperei pela noite na alameda,
a tua casa atrás de mim,
sombra a crescer de rua em rua.
a sublimar o medo.
CINCO
Em vão procurei o sabor da terra
para não morrer.
O teu amor é ácido.
Destroçado, assim me deito
na madrugada cheia de luz.
Não te lembras do café quase vazio
e nós, no lado escuro da vida?
SEIS
Na memória apaga-se o teu rosto
e o coração engole o fogo
que me consome.
Se eu corresse pela praia
e a terra se movesse
e eu fosse sugado
para o interior da vida
no seu furioso silêncio,
finalmente só e íntegro,
encontrar-me-ia.
cràse, revista de literatura emergente, nº0
Novembro de 2009, Lisboa
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