segunda-feira, 28 de junho de 2010
JOÃO DOS SANTOS - EU AGORA QUERO IR-ME EMBORA - Conversas com JOÃO SOUSA MONTEIRO
(...)
J.S.M. -A criança aceita brincar com o adulto porque o adulto aceita brincar com a criança...
J.S.-Exactamente. O adulto mostra-se capaz de brincar com a criança. É isso.
J.S.M.-Em seu entender, todas as crianças têm maneiras neuróticas de organizar a sua
ansiedade?
J.S.- Ah sim, seguramente. Se não fosse isso elas tinham morrido de uma doença somática precoce ou psico-somática, porque não tinham elaborado o seu pensamento e portanto descarregavam o seu inconsciente sobre o corpo. De facto, a organização da nossa vida mental é, em grande parte, a organização da nossa ansiedade e da nossa depressão. Ou das nossas primeiras ansiedades e das nossas primeiras depressões. Quer dizer, das frustrações e das gratificações e do jogo de umas e de outras, e das acções e interacções entre pais e filhos, entre crianças e adultos. E cada um organiza isso à sua maneira, à sua maneira mais ou menos fugidia ou mais ou menos frontal, mais ou menos lúdica, agressiva, etc. Portanto, cada pessoa tem uma neurose à sua escolha. Não é exactamente como no supermercado (risos)...não há supermercados para isso, não creio que venha a haver...Mas há um ambiente que proporciona, que dá um suporte grande às crianças. Por exemplo, os contos tradicionais, na minha opinião...Aliás é também a opinião do Betelheim que é uma sumidade nesse asunto...E eu digo que é a minha opinião porque, eu vi isso antes de ler o Betelheim, antes de saber a opinião dele. De facto, os contos tradicionais desde «O Capuchinho Vermelho» ao «Pequeno Polegar», enfim, todos esses contos conhecidos - e alguns deles se não são internacionais, pelo menos têm correspondências noutros países - ajudam muito a criança a encontrar uma solução para a sua ansiedade ou para os seus sonhos, o que é a mesma coisa. Os próprios sonhos também são, de certa maneira, contos mais ou menos tradicionais que nós nos contámos a nós próprios nas horas dos nossos problemas.
(...)
Editora Assírio & Alvim, 2ªedição, Abril de 1991
sábado, 26 de junho de 2010
Can't Be Tamed - Miley Cyrus
(...)
I wanna fly i wanna drive i wanna go
I wanna be apart of somethin i dont know
And if you try to hold me back i might explode
Baby by now you should know
I wanna fly i wanna drive i wanna go
I wanna be apart of somethin i dont know
And if you try to hold me back i might explode
Baby by now you should know
25 de Junho -Porto - Imagens do Vernissage da Instalação de Arte Móvel - Espaço João Pedro Rodrigues - fotos de Vasco Barbedo
Na foto de conjunto alguns dos artistas convidados:
Manuela Pimentel, João Pedro Rodrigues
Isabel Padrão, Graça Martins,
Nelson d'Aires, João Rios,
Isabel Lhano, Délia Carvalho
valter hugo mãe e outros.
http://joaopedrorodrigues.com
Manuela Pimentel, João Pedro Rodrigues
Isabel Padrão, Graça Martins,
Nelson d'Aires, João Rios,
Isabel Lhano, Délia Carvalho
valter hugo mãe e outros.
http://joaopedrorodrigues.com
Poema de Regina Guimarães
O primeiro desejo dos amantes
é serem velhos amantes
e começarem assim o amor
pelo fim.
é serem velhos amantes
e começarem assim o amor
pelo fim.
domingo, 20 de junho de 2010
Fragmento do discurso da Ministra da Cultura GABRIELA CANAVILHAS durante a cerimónia fúnebre de JOSÉ SARAMAGO
Era uma vez um rei que fez promessas de levantar um convento em Mafra, um soldado maneta, uma mulher que tinha poderes, e um padre que queria voar numa Passarola e que morreu doido;
Era uma vez Jesus, que disse a Maria Magdalena - “quero estar onde a minha sombra estiver, se lá é que estiverem os teus olhos”;
Era uma vez um cão que lambeu as lágrimas a uma mulher desesperada num mundo de cegos, desejando também cegar para ser poupada aos horrores que a vista lhe trazia;
Era uma vez a morte, que tinha um plano e que o cumpriu – abraçou-se ao homem sem que ele compreendesse o que lhe estava a suceder, e ela, a morte, que nunca dormia, deixou descair suavemente as pálpebras enquanto adormecia; no dia seguinte, ninguém morreu;
Era uma vez um homem, que quando morreu, partiram 2 pessoas: saiu ele, de mão dada com a criança que foi – tal como o próprio José Saramago previu, nas suas próprias palavras.
Era uma vez e tantas outras vezes, o respeito à terra e aos homens, a luta contra as injustiças, a defesa dos direitos humanos, a denúncia contra a guerra do Iraque ou contra a ocupação palestiniana, as causas dos Sem Terra, do movimento anti-globalizante, da preservação do ambiente, ou do anti-clericalismo desassombrado.
Estas e tantas outras, foram as histórias com que o ateu místico, religioso laico, interrogador de Deus e dos homens, José Saramago, “comunista hormonal” nas suas palavras, questionou Portugal e o mundo incessantemente, directa ou metaforicamente.
A liberdade do pensamento define o criador: Saramago foi voz lúcida, inconformada, firme, insubmissa na luta contra a desigualdade entre os homens – esta sim “a verdadeira miséria”, dizia.
Parte da imensa receptividade que as suas obras têm merecido em todo o mundo, e que a atribuição do Nobel cimentou e glorificou, deve-se a esse carácter humanista, à esperança que a sua obra impõe ao Homem.
Recebeu o Prémio Nobel da Literatura «... pela sua capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia», segundo a Academia Sueca.
Fiel ao seu compromisso com a consciência, usou a escrita para uma reflexão sobre as grandes causas da humanidade, edificando uma obra coerente, ousada, sólida, moldada pela ética, visando, sempre, a dignificação do Homem.
E fê-lo por vezes subvertendo normas - quer de narrativa (o seu estilo é inconfundível, nas suas frases longas e de pontuação singular), quer enfrentando dogmas - não tinha fé em Deus (mas certamente Deus teve fé nele).
Para ele a escrita, enquanto forma de expressão do pensamento e de intervenção intelectual, foi instrumento, foi arma, foi agente provocador e plataforma de interrogação permanente do indivíduo e da sociedade.
Com a sua actividade cívica aliada à criação literária, cumpriu aquilo que é mais caro aos criadores e aos artistas – conseguiu com a sua obra fazer pensar os destinatários, perturbar os conformados, incomodar as consciências e aguçar a lucidez.
(...)
Como escreveu ontem um amigo a Pilar, - Não há palavras. Saramago levou-as todas…
Obrigado José Saramago.
Era uma vez Jesus, que disse a Maria Magdalena - “quero estar onde a minha sombra estiver, se lá é que estiverem os teus olhos”;
Era uma vez um cão que lambeu as lágrimas a uma mulher desesperada num mundo de cegos, desejando também cegar para ser poupada aos horrores que a vista lhe trazia;
Era uma vez a morte, que tinha um plano e que o cumpriu – abraçou-se ao homem sem que ele compreendesse o que lhe estava a suceder, e ela, a morte, que nunca dormia, deixou descair suavemente as pálpebras enquanto adormecia; no dia seguinte, ninguém morreu;
Era uma vez um homem, que quando morreu, partiram 2 pessoas: saiu ele, de mão dada com a criança que foi – tal como o próprio José Saramago previu, nas suas próprias palavras.
Era uma vez e tantas outras vezes, o respeito à terra e aos homens, a luta contra as injustiças, a defesa dos direitos humanos, a denúncia contra a guerra do Iraque ou contra a ocupação palestiniana, as causas dos Sem Terra, do movimento anti-globalizante, da preservação do ambiente, ou do anti-clericalismo desassombrado.
Estas e tantas outras, foram as histórias com que o ateu místico, religioso laico, interrogador de Deus e dos homens, José Saramago, “comunista hormonal” nas suas palavras, questionou Portugal e o mundo incessantemente, directa ou metaforicamente.
A liberdade do pensamento define o criador: Saramago foi voz lúcida, inconformada, firme, insubmissa na luta contra a desigualdade entre os homens – esta sim “a verdadeira miséria”, dizia.
Parte da imensa receptividade que as suas obras têm merecido em todo o mundo, e que a atribuição do Nobel cimentou e glorificou, deve-se a esse carácter humanista, à esperança que a sua obra impõe ao Homem.
Recebeu o Prémio Nobel da Literatura «... pela sua capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia», segundo a Academia Sueca.
Fiel ao seu compromisso com a consciência, usou a escrita para uma reflexão sobre as grandes causas da humanidade, edificando uma obra coerente, ousada, sólida, moldada pela ética, visando, sempre, a dignificação do Homem.
E fê-lo por vezes subvertendo normas - quer de narrativa (o seu estilo é inconfundível, nas suas frases longas e de pontuação singular), quer enfrentando dogmas - não tinha fé em Deus (mas certamente Deus teve fé nele).
Para ele a escrita, enquanto forma de expressão do pensamento e de intervenção intelectual, foi instrumento, foi arma, foi agente provocador e plataforma de interrogação permanente do indivíduo e da sociedade.
Com a sua actividade cívica aliada à criação literária, cumpriu aquilo que é mais caro aos criadores e aos artistas – conseguiu com a sua obra fazer pensar os destinatários, perturbar os conformados, incomodar as consciências e aguçar a lucidez.
(...)
Como escreveu ontem um amigo a Pilar, - Não há palavras. Saramago levou-as todas…
Obrigado José Saramago.
A PROPÓSITO DE CRIATIVIDADE
CRIATIVIDADE?
«A criatividade virou moda. Até o Presidente da República, que não é propriamente um vanguardista, já fala de criatividade e indústrias criativas como receita para resolver alguns dos nossos problemas estruturais. Para quem, como eu, anda às voltas com o assunto há décadas esta parece ser uma boa notícia. Mas, não sei. Depende. Não basta enunciar palavras. É preciso entender o que elas realmente significam. E ser consequente.
Não é criativo quem quer. Uma pessoa não se torna subitamente criativa através de um simples ato de vontade. Às condições ambientais, de que falou Florida com os seus 3 T's - Tecnologia, Talento e Tolerância -, é preciso acrescentar algumas qualidades dos próprios. A criatividade exige conhecimento e irreverência. O que pode parecer uma contradição. Há quem imagine que um ensino para a criatividade é deixar os alunos à solta a fazer o que lhes apetece. Não é. O saber é objetivo e tem que ser transmitido e aprendido com todo o rigor. Só a partir dessa base é possível partir para a experimentação, outra das componentes do saber. Uma escola para a criatividade tem de conseguir combinar o conhecimento puro e duro com a exploração aleatória da tentativa e erro.»
«A criatividade virou moda. Até o Presidente da República, que não é propriamente um vanguardista, já fala de criatividade e indústrias criativas como receita para resolver alguns dos nossos problemas estruturais. Para quem, como eu, anda às voltas com o assunto há décadas esta parece ser uma boa notícia. Mas, não sei. Depende. Não basta enunciar palavras. É preciso entender o que elas realmente significam. E ser consequente.
Não é criativo quem quer. Uma pessoa não se torna subitamente criativa através de um simples ato de vontade. Às condições ambientais, de que falou Florida com os seus 3 T's - Tecnologia, Talento e Tolerância -, é preciso acrescentar algumas qualidades dos próprios. A criatividade exige conhecimento e irreverência. O que pode parecer uma contradição. Há quem imagine que um ensino para a criatividade é deixar os alunos à solta a fazer o que lhes apetece. Não é. O saber é objetivo e tem que ser transmitido e aprendido com todo o rigor. Só a partir dessa base é possível partir para a experimentação, outra das componentes do saber. Uma escola para a criatividade tem de conseguir combinar o conhecimento puro e duro com a exploração aleatória da tentativa e erro.»
sábado, 19 de junho de 2010
Palavras de um leitor fiel
Postagem do blog Camel & Coca Cola
A propósito da morte de JOSÉ SARAMAGO - texto de um jovem leitor João Borges , que ficou diferente depois de ter acesso a todos os livros deste autor. A importância da escrita e como ela pode abrir horizontes e combater a cegueira ou adormecimento intelectual.
Há dias assim, em que vemos de certa forma desaparecer uma referência da nossa vida, cultural e outra. É um desaparecimento que não o é realmente ou completamente, mas não deixa de se perder alguma coisa.
Morreu ontem José Saramago, um dos meus romancistas preferidos, e, de certa forma, perdi uma referência que era cultural, ideológica, e por ser estas duas coisas, pessoal também. Ou principalmente.
Em 1998 foi Prémio Nobel da Literatura, também. Apesar disso, penso que só posso falar de mim, do que significa para mim.
Os livros de José Saramago existiam na casa dos meus pais antes de existir eu, mas para mim, José Saramago começou há cinco anos atrás: eu tinha quinze anos e o "Ensaio Sobre a Cegueira" fez-me ver muitas coisas, bem como o "Ensaio Sobre a Lucidez" que li quase de seguida. Percebi logo que Saramago excedia largamente o conceito do romancista. Ele era, e continua a ser, um pensador, verdadeiramente um lúcido, mesmo quando parecia lúdico. Do José Saramago que tentava ser poeta dos "Poemas Possíveis" e de "Provavelmente Alegria" ao José Saramago que na prosa conquistou a plenitude, ensaiou brilhantemente sobre a nossa cegueira política e humana, uma cegueira profunda e praticamente irresolúvel. Era um homem de uma inteligência extrema que nunca foi glacial, porque a ele devemos também histórias de amor como "Memorial do Convento" que, apesar de desde há vários anos ter vindo a ser objecto de tentativas de destruição com o ensino secundário, continua sendo uma das maiores histórias de amor alguma vez escrita, um amor que é muito mais épico do que o épico da construção do convento de Mafra, o amor entre um homem maneta e uma mulher que em jejum via os homens por dentro e que para não o ver a ele todas as manhãs de olhos fechados comia uma côdea de pão.
A José Saramago devemos também romances que pensam a uma luz diferente da habitual questões como a morte, que parece agora ter mais importância ainda, como em "As Intermitências da Morte", da História de um país e do seu povo, como em "Levantado do Chão" e mesmo de referências culturais como em "O Ano da Morte de Ricardo Reis", além da igreja, que não deixa de nos parecer uma forma de fuga de um mundo sem deus, como vemos em "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e mais recentemente "Caím", romances de uma leitura tão complexa quanto pungente e que tão mal caíram a um país em fuga do seu estado sitiado como é Portugal.
Talvez por o ver morrer o seu autor, parece-me inevitável pensar em "As Intermitências da Morte". Lembremos que a Morte se apaixona pelo violoncelista e "no dia seguinte ninguém morreu". Não só percebemos que afinal a Morte ainda não se apaixonou, como ainda não aprendeu a falar para nós, porque ainda não aprendeu a dizer nada perante a maior dor humana. Isto já o dizia Saramago no seu romance, e ainda não mudou.
Como não mudou ainda a nossa cegueira, a nossa falta de lucidez, a nossa vassalagem ao poder instituido, a nossa falta de rebelião, a nossa inépcia. Saramago não fez mais do que lhe competia: pensou, deu-nos essa arma e a possibilidade de a usar.
Agora que morre o homem e nos ficam os livros, só me resta desejar a José Saramago que por muito tempo não descanse em paz, porque não consigo imaginar pior destino para um artista do que descansar em paz. Espero que durante muito tempo lhe dêem voltas e mais voltas e se debrucem sobre a sua obra de uma forma mais séria do que enquanto foi vivo e despertou tantas invejas e dores de cotovelo, como convém a todos aqueles que arriscam estar acima da banalidade.
postagem do blog Camel & Coca Cola
Morreu ontem José Saramago, um dos meus romancistas preferidos, e, de certa forma, perdi uma referência que era cultural, ideológica, e por ser estas duas coisas, pessoal também. Ou principalmente.
Em 1998 foi Prémio Nobel da Literatura, também. Apesar disso, penso que só posso falar de mim, do que significa para mim.
Os livros de José Saramago existiam na casa dos meus pais antes de existir eu, mas para mim, José Saramago começou há cinco anos atrás: eu tinha quinze anos e o "Ensaio Sobre a Cegueira" fez-me ver muitas coisas, bem como o "Ensaio Sobre a Lucidez" que li quase de seguida. Percebi logo que Saramago excedia largamente o conceito do romancista. Ele era, e continua a ser, um pensador, verdadeiramente um lúcido, mesmo quando parecia lúdico. Do José Saramago que tentava ser poeta dos "Poemas Possíveis" e de "Provavelmente Alegria" ao José Saramago que na prosa conquistou a plenitude, ensaiou brilhantemente sobre a nossa cegueira política e humana, uma cegueira profunda e praticamente irresolúvel. Era um homem de uma inteligência extrema que nunca foi glacial, porque a ele devemos também histórias de amor como "Memorial do Convento" que, apesar de desde há vários anos ter vindo a ser objecto de tentativas de destruição com o ensino secundário, continua sendo uma das maiores histórias de amor alguma vez escrita, um amor que é muito mais épico do que o épico da construção do convento de Mafra, o amor entre um homem maneta e uma mulher que em jejum via os homens por dentro e que para não o ver a ele todas as manhãs de olhos fechados comia uma côdea de pão.
A José Saramago devemos também romances que pensam a uma luz diferente da habitual questões como a morte, que parece agora ter mais importância ainda, como em "As Intermitências da Morte", da História de um país e do seu povo, como em "Levantado do Chão" e mesmo de referências culturais como em "O Ano da Morte de Ricardo Reis", além da igreja, que não deixa de nos parecer uma forma de fuga de um mundo sem deus, como vemos em "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e mais recentemente "Caím", romances de uma leitura tão complexa quanto pungente e que tão mal caíram a um país em fuga do seu estado sitiado como é Portugal.
Talvez por o ver morrer o seu autor, parece-me inevitável pensar em "As Intermitências da Morte". Lembremos que a Morte se apaixona pelo violoncelista e "no dia seguinte ninguém morreu". Não só percebemos que afinal a Morte ainda não se apaixonou, como ainda não aprendeu a falar para nós, porque ainda não aprendeu a dizer nada perante a maior dor humana. Isto já o dizia Saramago no seu romance, e ainda não mudou.
Como não mudou ainda a nossa cegueira, a nossa falta de lucidez, a nossa vassalagem ao poder instituido, a nossa falta de rebelião, a nossa inépcia. Saramago não fez mais do que lhe competia: pensou, deu-nos essa arma e a possibilidade de a usar.
Agora que morre o homem e nos ficam os livros, só me resta desejar a José Saramago que por muito tempo não descanse em paz, porque não consigo imaginar pior destino para um artista do que descansar em paz. Espero que durante muito tempo lhe dêem voltas e mais voltas e se debrucem sobre a sua obra de uma forma mais séria do que enquanto foi vivo e despertou tantas invejas e dores de cotovelo, como convém a todos aqueles que arriscam estar acima da banalidade.
postagem do blog Camel & Coca Cola
ESPAÇO /GALERIA JOÃO PEDRO RODRIGUES
Esta inauguração como de costume será transmitida em directo no site www.joaopedrorodrigues.com.
Colectiva/Instalação de arte móvel sobre t-shirt
INAUGURAÇÃO - PRÓXIMA SEXTA-FEIRA - 21.30 h.
25 de Junho a 28 Julho 2010
t-shirts pintadas por 26 artistas contemporâneos,
E MUITOS OUTROS..
sexta-feira, 18 de junho de 2010
domingo, 13 de junho de 2010
Fragmento do POSFÁCIO de JOSÉ MIGUEL SILVA publicado na Antologia de poemas de MANUEL DE FREITAS - A ÚLTIMA PORTA - ASSÍRIO & ALVIM, 2010
(...) Tal como em Raul Brandão, o que a voz de Manuel de Freitas nos comunica não é um puritano horror pelo mundo e pela brilhante superfície das coisas, mas antes uma repugnância pelo facto de a vida aparecer inevitavelmente contaminada pela morte. Essa repugnância, porém, e ao contrário do que sucede nas mais variadas formas de pensamento religioso, não desemboca numa depreciação da vida mas numa espécie de amor rancoroso pela mesma, um amor desesperado e sem saída. O sentimento de quem sabe que ama apenas uma sombra, e que apenas sombras podemos amar. Por muito que eventualmente o desejasse, Manuel de Freitas não poderia dizer como Sophia de Mello Breyner, «Nunca amarei quem não possa viver/Sempre». É admissível, assim, atribuir à flânerie do sujeito poético o propósito de uma piedosa contagem de existências, da qual emergirá depois uma poesia feita de assentamentos para memória futura («Reúno/numa espécie de voz/esses estilhaços»), uma poesia na qual a repetida nomeação de pessoas e lugares seria como uma inútil oração por uma ideia de permanência. E é desse canto por tudo o que vai morrer (a começar por si mesmo), ou que já morreu, que deriva muita da força e da espessura emocional desta poesia. (...)
Poema de MANUEL DE FREITAS
NEXT TO NOTHING
Não acordei com o teu corpo,
mas com um verso
que me parece agora
o mais triste do mundo:
Le tuve tan cerca.
Foi verdade, foi tão depressa
mentira - acabarmos juntos
no último bar. Ou apertar-te
em plena desrazão os ombros,
o pescoço baixo,
a cor indecisa dos cabelos.
Enquanto se partem tão
tristes os tristes copos
que nessa noite derrubei - e eras tu.
Não sei o que te disse, que
outras partes de quem foste
toquei ou perdi. De quaquer modo,
perdi. E foi, só podia ser,
demasiado triste: dois corpos
que ninguém via desciam a Rua
da Misericórdia, já perto da manhã.
Aquela nenhuma distância
não pôde ser um beijo. Apenas derrota,
ressaca, mais uma canção sem nós.
Tu não sabes - e ainda bem - que
este homem te desejou todas as noites,
até que fechasse o bar. Este homem
que não deseja e que tem,
infelizmente , um nome igual ao meu.
Da próxima vez, quero estar menos
bêbado, saber se apanhámos
ou não o mesmo táxi. Mas
«da próxima vez» nunca existirá.
A ÚLTIMA PORTA, selecção e posfácio de José Miguel Silva, ASSÍRIO & ALVIM, 2010
Não acordei com o teu corpo,
mas com um verso
que me parece agora
o mais triste do mundo:
Le tuve tan cerca.
Foi verdade, foi tão depressa
mentira - acabarmos juntos
no último bar. Ou apertar-te
em plena desrazão os ombros,
o pescoço baixo,
a cor indecisa dos cabelos.
Enquanto se partem tão
tristes os tristes copos
que nessa noite derrubei - e eras tu.
Não sei o que te disse, que
outras partes de quem foste
toquei ou perdi. De quaquer modo,
perdi. E foi, só podia ser,
demasiado triste: dois corpos
que ninguém via desciam a Rua
da Misericórdia, já perto da manhã.
Aquela nenhuma distância
não pôde ser um beijo. Apenas derrota,
ressaca, mais uma canção sem nós.
Tu não sabes - e ainda bem - que
este homem te desejou todas as noites,
até que fechasse o bar. Este homem
que não deseja e que tem,
infelizmente , um nome igual ao meu.
Da próxima vez, quero estar menos
bêbado, saber se apanhámos
ou não o mesmo táxi. Mas
«da próxima vez» nunca existirá.
A ÚLTIMA PORTA, selecção e posfácio de José Miguel Silva, ASSÍRIO & ALVIM, 2010
sábado, 12 de junho de 2010
Poema de JOÃO BORGES - JUP de Abril /Maio
REGRESSO AO PORTO: O AR DA MANHÃ
As gaivotas fustigam a madrugada
no Porto. A luz é branca
e resplandecem as fachadas que se
vêem daqui, do último andar. Alguns prédios
mais altos
rompem o céu límpido. Uma grua
parece suspensa sobre a frente
de Gaia. Da Torre, só o cimo
visível. Algumas árvores mais frondosas
cresceram em sítios
improváveis. O inverno perdeu muito
desta paisagem, daqui a uns dias
a primavera trará o avesso
dessa aridez. Nesta varanda, respiro
o impoluto ar da manhã,
como uma dádiva. Enfrento,
com o coração a dilatar-se,
o berço que não me viu nascer.
Nem por isso é menos berço.
Ou casa.
As gaivotas fustigam a madrugada
no Porto. A luz é branca
e resplandecem as fachadas que se
vêem daqui, do último andar. Alguns prédios
mais altos
rompem o céu límpido. Uma grua
parece suspensa sobre a frente
de Gaia. Da Torre, só o cimo
visível. Algumas árvores mais frondosas
cresceram em sítios
improváveis. O inverno perdeu muito
desta paisagem, daqui a uns dias
a primavera trará o avesso
dessa aridez. Nesta varanda, respiro
o impoluto ar da manhã,
como uma dádiva. Enfrento,
com o coração a dilatar-se,
o berço que não me viu nascer.
Nem por isso é menos berço.
Ou casa.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
terça-feira, 8 de junho de 2010
segunda-feira, 7 de junho de 2010
sábado, 5 de junho de 2010
DOIS POEMAS DE ÁLVARO DE CAMPOS (Fernando Pessoa)
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é..
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço porquê?
é uma sensação abstracta
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola de outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é..
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço porquê?
é uma sensação abstracta
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola de outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
terça-feira, 1 de junho de 2010
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