A ruína atinge a superfície das palavras, abre no texto uma fissura de lume. Escrevo o que tu queres, a morte do dia. No desenho o rosto adormecido contrasta com o escuro traço da grafite. Também ele será pó ou alguma flor subterrânea. Mas ao espelho eu sou a personagem principal que se desloca na realidade imaginária dos meus livros. Escrever é triste e lembra a beleza do Outono.
NEGAÇÃO
Persigo uma exigência obscura, corro o risco de entrar na minha realidade. Exponho-me à vergonha de escrever, à erosão que isso provoca. Ouso desejar o suicídio das palavras, saber o que me resta. Na estranha paixão do esquecimento, na falta de superfície do eu que me reveste, escrevo porque digo sempre o mesmo. E não há nada de secreto, a escrita é apenas arte.
O tempo, essa brecha, abre no poema o nosso rosto, na pele se introduz e arruína. Se o meu espírito estiver destinado a afundar-se, se a potência do mal quiser o meu limite, serei a radical negação.
REPETIR O POEMA. Quasi Edições, Famalicão, 2005
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