quinta-feira, 17 de março de 2011

Um poema de EDUARDA CHIOTE



NA MAIS PROFUNDA ESCURIDÃO

Estás a meu lado vendo-me desnecessariamente
sofrer, tu que possuis a cápsula de cianeto e me prometeste ajuda,
negas-te, neste momento, a testemunhar
a minha agonia.
Ironia maior
na medida em que sabes que não há (para mim) qualquer
recurso: que escrever perdeu todo o sentido.
Duro, muito duro.

Como usas desprezar-me tanto: dizer-me que é agora
que a memória de mim
começa a interrogar-te?
É certo. Assististe ao meu adiado
aniquilamento - não quero falar dele. Este
parecia durar além da náusea; pois o que privava das forças
fazia-me ausentar da sua queixa - sempre tão retida
e repetida.
Eu. Precisava, mais que nunca, do teu corpo.
E, nele, da impassibilidade de uma duração
sem termo. De dissimulá-la, talvez.
Em que momento me ignoraste?
A compaixão tem infinitas palavras Infinitos recursos: entram agora
em cena os do silêncio: cobre-me de pedras
e deixa que adormeça
monstruosamente - inacabado, para sempre, o
susto. E não queiras entender-lhe o lado
mais escuro.



ÓRGÃOS EPISTOLARES, Edições Afrontamento, Porto, 2010

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