Às vezes é assim, a vida dá muitas voltas, fica-se ocupada com coisas várias e até a leitura de um livro é adiada. Foi o que aconteceu com o livro da Joana Amaral Dias. Terminei hoje a sua leitura, e o livro foi adquirido em 2010, com dedicatória da autora de 9 de Julho de 2010. Gostei imenso do livro e as páginas dedicadas ao Fernando Pessoa são muito cuidadas. Admiro imenso o Fernando Pessoa e, para mim é o único GÉNIO português! A sua OBRA, a sua VIDA foram um exemplo de genialidade absoluta!!!! Fiquei triste, muito triste, quando terminei as páginas dedicadas ao Fernando Pessoa. O Super-Camões que não encontrou a alma gémea. Que desde muito cedo, aos seis, anos inventou o Chevalier de Pas, o 1º heterónimo, criado na Rua de São Marçal, perto do Príncipe Real. Tinha nascido na casa perto do Largo de S.Carlos, onde viviam a avó paterna, duas empregadas e os pais, mas o pai morreu, vitima de tuberculose, tinha o Pessoa cinco anos e mudaram-se para a Rua de São Marçal. Teve uma infância atravessada por demasiadas perdas, mortes, lutos, ausências. A sua solidão era do tamanho do mundo. Morreu com 47 anos.
« A única compensação moral que devo à literatura é a glória futura de ter escrito as minhas obras presentes.»
(...) "Realmente Pessoa tinha uma ideia grandiosa de si mesmo e caracterizava-se por uma crença inabalável em si próprio. E se esses traços o defendiam da dor, também o colocavam a coberto do fracasso emocional. Quando o poeta afirma que não aprofunda as suas relações porque «tem mais que fazer», porque é à sua obra que deve dedicação e prioridade, está também a dizer que as falhas nas suas relações não se devem às suas dificuldades. Existem, mas não porque ele não consegue. Apenas porque ele não quer. Tal como se resguardou do sofrimento consequente ao suicídio de Sá-Carneiro, escudando-se no esoterismo, Pessoa defendeu-se toda a vida de amar, optando pela abstinência sexual e até emocional. O poeta preferia esse regime a experimentar penar e errar, como seria fatal caso ensaiasse esses laços."
« Em torno de mim está-se tudo afastando e desmonorando. (...) Que serei eu daqui a dez anos - de aqui a cinco anos, mesmo? Os meus amigos dizem-me que eu serei um dos maiores poetas contemporâneos...(...) Mas sei eu ao certo o que isso, mesmo que se realize, significa? Sei eu a que isso sabe? Talvez a glória saiba a morte e a inutilidade, e o triunfo cheire a podridão.»
(...) Pessoa não era um homem extrovertido, nem tão-pouco alguém para quem fosse prioritária a vida de sociedade. Porém, é um mito que fosse alguém extremamente isolado, fechado sobre si próprio e parco em contactos. Essa imagem foi, em parte, alimentada pelo próprio e, por outro lado, construida por Gaspar Simões. Afinal, é o poeta, ele mesmo, que escreve palavras como:
« Estou cercado de amigos que não são amigos e de conhecidos que não me conhecem.»
Super- Camões morreu num pequeno hospital em Lisboa, no centro do Bairro Alto. (...) Dias antes de falecer, Pessoa ainda fora ao café Martinho da Arcada, onde conversara com Almada Negreiros. (...) Segundo Murteira França (1987:16), o último gesto de Pessoa antes de morrer foi pedir os óculos e escrever, em Inglês: «Não sei o que o amanhã trará.»
O enterro realizou-se no dia 2 de Dezembro e Pessoa foi sepultado no jazigo de Dionísia, a sua avó louca, no Cemitério dos Prazeres em Lisboa. Cinquenta anos depois, o seu corpo foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos (poderia ter ido para o Panteão...), o que não deixa de ser irónico, já que Pessoa nunca comungou da fé cristã. Sarcástico se pensarmos que São Jerónimo se flagelou pelos pecados do mundanismo. Pessoa não se açoitava por tais tentações porque impunha a si mesmo uma disciplina despótica que evitava qualquer pecadilho. Sardónico se considerarmos que Jerónimo é o padroeiro dos tradutores, actividade que o Super-Camões prosseguiu como mero ganha-pão.
Diz-se que, nesta mudança, não foi descoberto um esqueleto, como seria expectável, mas um corpo mumificado. Quase tão mítico como o de Afonso VI. Ou até de D.Sebastião. E Pessoa está sepultado, naturalmente, entre o túmulo de Vasco da Gama e o de...Camões. (...)
fragmento do livro Maníacos de Qualidade de Joana Amaral Dias - Portugueses célebres na consulta com uma psicóloga, editado pela A Esfera dos Livros, 2010, Lisboa.
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