sábado, 15 de dezembro de 2012

Poema de João Borges




A FIGURA E O SEU DUPLO*

 
Espelho
enquanto alguns rostos
são devorados pelas trevas,
outros se mostram à luz.
Não tens esperança,
não vês a aridez?
Por que fechas os olhos?

 
Espelho
desiste-se da vida assim
sem insistir? Sem se despenhar
pelas ravinas do esquecimento?
Por que ficas quieto,
por que tens medo?

 
Espelho
por que mostras um acrobata
paralisado pela sua natureza?
Porquê essa velhice tão final,
essa inclinação para a sepultura,
se nada te pede para morrer?

 
Espelho
não são os gritos um sinal de vida?

 
Espelho
não esqueces nada, ficas à espera,
com os dias perdidos,
há quanto tempo podias ter saído,
procurar um princípio e um verbo?

 
Espelho
esquece as palavras,
respira.
 

Lisboa, 20.4.10


*título de uma pintura de Graça Martins
 

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