quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Algumas páginas do DIÁRIO de Virginia Woolf do ano de 1926- Primeiro Volume - 1915-1926

Quarta, 15 de Setembro
Usarei por vezes a forma de apontamento; por exemplo, assim:

Um estado de espírito

Acordei talvez às três. Ai, está a começar, está a chegar...o horror...fisicamente, como uma onda dolorosa crescendo junto do coração...que me ergue. Estou infeliz, infeliz! Que me afunda...Meu Deus, quem me dera estar morta. Pausa. Mas porque estou eu a sentir isto? Deixa-me olhar para a onda que sobe. Olho. Vanessa. Filhos. Fracasso. Sim; detecto-o. Fracasso, fracasso. (A onda sobe.) Ai, eles fizeram troça do meu gosto por causa da tinta verde! A onda rebenta, violenta. Quem me dera estar morta! Tenho só mais alguns anos de vida, espero eu. Já não consigo enfrentar mais este horror...( é a onda estendendo-se sobre mim). Isto continua: várias vezes, com várias espécies de horror. Depois, na altura da crise, em vez de a dor continuar intensa, torna-se bastante vaga. Dormito. Acordo num sobressalto. A onda novamente! A dor irracional: a sensação de fracasso; como, por exemplo, o meu gosto por causa da tinta verde, ou comprar um vestido novo, ou convidar o Dadie a vir cá passar o fim- de- semana.
Por fim digo, olhando tão desapaixonadamente quanto me é possível: vá lá, domina-te. Já chega. Raciocino. Faço um recenseamento dos felizes e dos infelizes. Enteso-me e empurro. atiro, quebro. Começo a andar cegamente em frente. Sinto obstáculos, afundo-me. Digo que não importa. Nada importa. Fico rígida e direita e volto a adormecer, e quase acordo e sinto a onda a começar e olho a luz que fica branca e pergunto-me como será que, desta vez, o pequeno -almoço e a luz do dia a irão dominar; e depois ouço o L. no corredor e finjo, tanto por mim como por ele, uma grande animação; e em geral já estou animada quando o pequeno-almoço termina. Passará toda a gente por este estado? Porque terei eu tão pouco controlo? Não é digno, nem amorável. É a causa de muito desperdício e dor na minha vida.
 
(...)
Terça , 23 de Novembro
(...) A vida, como eu digo desde os dez anos, é imensamente interessante - se é que não é mais rápida e mais intensa aos quarenta e quatro  do que aos vinte e quatro - , mais desamparada, suponho, à medida que o rio se precipita em direcção ao Niágara - a minha nova visão da morte; activa, precisa, como tudo o resto, e que me alvoroça; e de grande importância...enquanto experiência.
" A única experiência que nunca irei descrever", disse eu ontem à Vita. Ela estava sentada no chão com o seu casaco de veludo e saia de seda vermelha às riscas, eu a dar nós nas suas pérolas até ficarem  cachos de grandes ovos luzidios. Tinha vindo de Londres para me ver... assim vamos andando... uma ligação fogosa, respeitável, acho eu, inocente (espiritualmente) e com a qual só tenho a lucrar, acho eu; uma grande chatice para o Leonard, mas que não chega ao ponto de o afligir. A verdade é que há lugar para muitas relações. Depois ela volta amanhã para a Pérsia, com o Leigt Asthon*- esse rafeiro escorraçado, de focinho encardido e voz baixa, que está sempre a escapar-se de rabo entre as pernas mas que dá, ao que se diz, ceias de ostras.
Estou a refazer seis páginas do Lighthouse por dia. Este não é, acho eu, tão rápido como Mrs. D., mas também acho que grande parte está muito em esboço e tenho de o improvisar enquanto escrevo à máquina. Acho que é muito mais fácil do que escrever à mão. A minha opinião agora  é que este é, sem sombra de dúvida, o melhor dos meus livros, mais completo do que o J.R. e menos espasmódico, ocupado com coisas mais interessantes  do que Mrs D., e sem estar complicado com todo aquele desesperado acompanhamento de loucura.  É mais livre e mais subtil, acho eu. Contudo, não sei ainda que outro livro se irá seguir a este: o que pode querer dizer que o meu método ficou perfeito, e agora vai ficar como está, e desempenhar a função que eu lhe quiser atribuir. Dantes, um desenvolvimento do método dava origem a novos assuntos, porque eu via a oportunidade de os dizer. Contudo, sou de vez em quando assombrada pela biografia meio mística e muito profunda de uma mulher, que irá ser toda contada numa única ocasião;  e o tempo será completamente obliterado;  o futuro há-de acabar por brotar do passado. Um incidente  - digamos, uma flor que cai - o pode conter. A minha teoria é que o facto real praticamente não existe... nem o tempo. Mas não quero forçar isto. Tenho de imaginar o meu livro para a colecção**.
 
 
 
* Leigh Aston (n. 1897), o futuro director do Victoria and Albert Museum.
** A "Hogarth Lectures on Literature".
 
Virginia Woolf, Diário, Primeiro Volume 1915-1925, tradução de Maria José Jorge, Bertrand Editora, Lisboa, 1985. 
 

1 comentário:

Cadmium disse...

Muito curiouso. Nunca tinha lido passagens do diário de Virginia Woolf. A reflexão final sobre o real é extraordinária.
Aprecio bastante a ilustração/pintura, na parte superior do blog, que julgo deve ser da sua autoria.
Se tiver curiosidade, deixo aqui o endereço de um blog que criei recentemente, e que é apenas um projecto experimental, cheio de inconsistências:
http://josephforrester.blogspot.pt/