sábado, 23 de agosto de 2014

LORCA, as minhas leituras neste VERÃO.

Texto de Frederico Garcia Lorca 

 (...) Não vou dizer-vos o que é Nova Iorque por fora pois ela e Moscovo são, em conjunto, as duas cidades antagónicas sobre as quais se despeja agora um rio de livros descritivos; ...
nem vou contar uma viagem mas a minha reacção lírica, com toda a sinceridade e simplicidade; sinceridade e simplicidade dificílimas aos intelectuais, mas fáceis ao poeta. Para aparecer aqui tive que vencer o meu pudor poético.
Os dois elementos que o viajante capta na grande cidade são: arquitectura extra-humana e ritmo furioso. Geometria e angústia. A um primeiro olhar o ritmo pode parecer alegria, mas quando se observa o mecanismo da vida social e a escravidão dolorosa de homens e máquinas juntos, compreende-se aquela típica angústia vazia que, por evasão, mesmo o crime e o banditismo torna perdoáveis.
As pedras sobem até ao céu sem vontade de nuvens nem vontade de glória. As pedras góticas brotam do coração dos velhos mortos enterrados; estas aqui ascendem frias com uma beleza sem raízes nem ânsia final, ignobilmente seguras, sem conseguir vencer e superar, como na arquitectura espiritual sucede, a intenção sempre inferior do arquitecto. Nada mais poético e terrível do que a luta dos arranha-céus com o céu que os cobre. Neves, chuvas e névoas sublinham, molham, tapam as imensas torres, mas cegas a qualquer jogo estas expressam a sua intenção fria, inimiga de mistérios, e cortam os cabelos à chuva ou tornam visíveis as suas três mil espadas através do suave cisne da névoa.
A impressão de aquele imenso mundo não ter raiz invade-nos poucos dias depois da chegada, e compreenderemos perfeitamente como foi preciso o vidente Edgar Poe abraçar-se ao misterioso e ao fervor cordial da embriaguez, naquele mundo.
Eu, só e errante, evocava assim a minha infância:
(...) Eu, só e errante, esgotado pelo ritmo dos imensos letreiros luminosos de Times Square, neste pequeno poema fugia do imenso exército de janelas onde não há uma só pessoa com tempo de olhar para uma nuvem ou dialogar com uma dessas delicadas brisas que o mar teimosamente envia sem ter nunca uma resposta.

Lorca, Nova Iorque num Poeta, Hiena, 1995.

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