sábado, 25 de fevereiro de 2017

Poema de Isabel de Sá



SIMBIOSE CHEIA DE GRAÇA

Os perdidos
aqueles sem compromisso
perturbam a ordem
assustam os rastejantes.
Esses verdadeiros heróis
bebem o ácido
e comem detritos
crentes na glória.


Existem os outros
os sustentados
no círculo delirante
acorrentados à ficção da espera.
Cortesãs de secretária
expostas ao ofício
aos caprichos da clientela.


E o terror do desamparo?


O escravo tem acesso ao tapete do senhor
à sua cama. Talvez ao seu olhar.
Também será aquele que não existe
mas é a presença.


"Estás destinado à beleza.
Nunca verás a luz."
- palavras do senhor.
A beleza é então treva
escuridão sem fim?


O rebanho encontra o pastor
virtuoso
cheio de encantos.
Renuncia à tempestade
aceita a provação e a caridade.
O rebanho cumpre. Na sombra alimenta o ódio.
Abismo e esplendor perpetuam o idílio.


Ninguém sabe como vai acabar.
A voz da paixão é alienante
e todos caem.
Entretanto a noite desce
arrasa tudo:
personagens
ilusão e romance.


A roleta da fama atormenta os mortais.
Escapam à miséria do anonimato.


A velhice?
Queremos para sempre
o luxo de uma pele jovem
coração vermelho vivo.


Sabia-se o caminho
havia um farol
a cruz o fim do túnel.
Entretanto o caos alastra.
Reconhecer que algo vai mal
visão do outro lado
o assunto percorre um longo caminho
ninguém entende a espera.
Ninguém quer ser Nada
pensamento em desordem ou até alucinado.
Reconhecer que está mal é paleio.
As vozes ouvem-se a si próprias
neste sistema esquizofrénico.


Vale a pena usar poucas palavras
ler e reler
ficar dentro das ideias no escuro pensamento.
A paisagem é verdade ou  mentira?
Segredo é não saber de que lado sopra o vento.
Coitados dos sonhadores
vivem à margem do dia e da noite
longe de tudo.


Compra-se o futuro
o cartaz
e também o microfone.
Quanto tempo é que isto vai durar?
Parece magia
temos de enfrentar a dor
o sofrimento
quando nos cruzamos na rua
talvez em frente ao espelho
ou diante da porta trancada.


Isabel de Sá, in revista Brilho no Escuro nº1, Junho. 2009

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