quinta-feira, 30 de novembro de 2017
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
domingo, 19 de novembro de 2017
Isabel de Sá - MANHÃ DE AGOSTO
MANHÃ DE AGOSTO
Nesta manhã de Agosto...
encontrei o papel onde tinha escrito
a idade em que Blaise Cendrars
perdeu a mão direita
e fiquei a sentir a dor
que me atormentava. Não tomei aspirina
nem esqueci a tua carta
de ontem, aquele momento
em que dizes eu querer
arrastar-te comigo "para esse universo
onde a vida é trocada por palavras".
Tenho lido os poetas
da minha geração. Conheço
o primeiro poema, aquele que inaugurou
a vida, também em mim.
Cansada de ir à praia, à piscina,
procuro livros, uma emoção linguística,
o verso desconhecido.
Guardei uma frase de Musil, na caixa
onde tenho os selos, um minúsculo relógio
que decidi não usar.
Não posso viver sem a música de Schubert,
ou aquela peça de Brahms - tudo isto
são palavras, a vida passa-se lá fora,
o Inverno há-de vir e não poderei
totalmente fugir ao desconforto.
Falava-se de As Tulipas
e começo a entender. Esta música,
estas palavras, a morte na dobra do lençol,
meu frio corpo na penumbra, no paraíso inicial
da anestesia. Perdida a razão no inferno
da dor, a cabeça irreal, meu poema
esquecido na margem do sono. A morfina,
as enfermeiras, tudo o que pudesse
polir o tormento.
E hoje acabei
por tomar aspirina, gastar o rosto,
permanecer em casa.
Isabel de Sá, in Os Cem Melhores Poemas Portugueses dos Últimos Cem Anos, Companhia das Letras, Lisboa, 2017
da minha geração. Conheço
o primeiro poema, aquele que inaugurou
a vida, também em mim.
Cansada de ir à praia, à piscina,
procuro livros, uma emoção linguística,
o verso desconhecido.
Guardei uma frase de Musil, na caixa
onde tenho os selos, um minúsculo relógio
que decidi não usar.
Não posso viver sem a música de Schubert,
ou aquela peça de Brahms - tudo isto
são palavras, a vida passa-se lá fora,
o Inverno há-de vir e não poderei
totalmente fugir ao desconforto.
Falava-se de As Tulipas
e começo a entender. Esta música,
estas palavras, a morte na dobra do lençol,
meu frio corpo na penumbra, no paraíso inicial
da anestesia. Perdida a razão no inferno
da dor, a cabeça irreal, meu poema
esquecido na margem do sono. A morfina,
as enfermeiras, tudo o que pudesse
polir o tormento.
E hoje acabei
por tomar aspirina, gastar o rosto,
permanecer em casa.
Isabel de Sá, in Os Cem Melhores Poemas Portugueses dos Últimos Cem Anos, Companhia das Letras, Lisboa, 2017
Nesta antologia, além dos nomes que aparecem na capa, encontramos poemas de Isabel de Sá, Inês Lourenço, José Emílio-Nelson, Fernando Pinto do Amaral, Rosa Maria Martelo, Hélia Correia, Fernando Echevarria, Ana Luísa Amaral, João Luís Barreto Guimarães, Rui Lage, Luís Quintais, Margarida Vale de Gato, Maria do Rosário Pedreira, Fátima Maldonado, Manuel de Freitas e muitos outros...
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