sábado, 20 de fevereiro de 2010
Poema de DIEGO DONCEL
IN MEMORIAM OU A MORTE DO OUTRO
Abraçámo-nos como dois animais
indefesos à mercê do destino
com a alma partida de dor. E chorámos
sobre os nossos ombros esta pobre aventura
da vida à qual alguém, num mau sonho,
nos condena. Sentimos,
quando só saíam lágrimas da tua boca
e da minha, o fracasso de ser homens
e esse inútil consolo de partilhar
toda a nossa desgraça.
Estava a sala escura, tal qual o mundo,
árido o ar e sem alento como o nosso coração,
junto de nós não havia ninguém,
apenas o corpo de um homem face
à dura solidão da morte, e ao fundo vozes
de homens vivos que desprezam viver.
Ao longo das horas e ao longo dos seres
a noite foi vertendo entre nós a sua cinza,
o seu demónio e o seu nada entre os que velámos
aquele corpo defunto. Num canto uma mulher
gritava em vão a um deus que não existia.
E era a dor quem falava
ao estar abandonada diante da solidão,
ao sentir em seu redor o mundo desolado,
ao ver como o tempo arrebatava tudo e o homem
nada é neste cruel castigo da vida.
Como é absurdo amar diante da morte.
E queimaram-nos ainda mais os olhos
durante toda a noite aquelas súplicas
de desespero, sabermos
que nenhum tempo nem nenhum mundo
acolheria aquele corpo,
que depois da morte não há mais além
a não ser a hostil razão da matéria.
O pó nesse homem voltava ao pó
e ao nada o tempo, tal como a consciência
que até há pouco existiu.
E gelou-se-nos o sangue ao contemplar
que essas mãos sem vida tantas vezes
pegaram nas nossas, e essa boca que te beijou
e a mim falava de amizade
agora está parada e muda respirando o silêncio,
e esses olhos fechados, porque só na escuridão
se vê o vazio.
E pensámos, com as mãos tapando-nos
o rosto de terror, que esse pó,
esse nada, essa falta de consciência
era o futuro do nosso ser e o homem
um extravio da natureza
que a natureza ao fim negava.
E que esse dia pouco a pouco se anunciava
limpo de ouro e de azul sobre a cal
do pátio, que fortalecia de luz o limoeiro,
podia ser o dia da nossa morte.
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, Relógio D'Água, 2000, Lisboa
Abraçámo-nos como dois animais
indefesos à mercê do destino
com a alma partida de dor. E chorámos
sobre os nossos ombros esta pobre aventura
da vida à qual alguém, num mau sonho,
nos condena. Sentimos,
quando só saíam lágrimas da tua boca
e da minha, o fracasso de ser homens
e esse inútil consolo de partilhar
toda a nossa desgraça.
Estava a sala escura, tal qual o mundo,
árido o ar e sem alento como o nosso coração,
junto de nós não havia ninguém,
apenas o corpo de um homem face
à dura solidão da morte, e ao fundo vozes
de homens vivos que desprezam viver.
Ao longo das horas e ao longo dos seres
a noite foi vertendo entre nós a sua cinza,
o seu demónio e o seu nada entre os que velámos
aquele corpo defunto. Num canto uma mulher
gritava em vão a um deus que não existia.
E era a dor quem falava
ao estar abandonada diante da solidão,
ao sentir em seu redor o mundo desolado,
ao ver como o tempo arrebatava tudo e o homem
nada é neste cruel castigo da vida.
Como é absurdo amar diante da morte.
E queimaram-nos ainda mais os olhos
durante toda a noite aquelas súplicas
de desespero, sabermos
que nenhum tempo nem nenhum mundo
acolheria aquele corpo,
que depois da morte não há mais além
a não ser a hostil razão da matéria.
O pó nesse homem voltava ao pó
e ao nada o tempo, tal como a consciência
que até há pouco existiu.
E gelou-se-nos o sangue ao contemplar
que essas mãos sem vida tantas vezes
pegaram nas nossas, e essa boca que te beijou
e a mim falava de amizade
agora está parada e muda respirando o silêncio,
e esses olhos fechados, porque só na escuridão
se vê o vazio.
E pensámos, com as mãos tapando-nos
o rosto de terror, que esse pó,
esse nada, essa falta de consciência
era o futuro do nosso ser e o homem
um extravio da natureza
que a natureza ao fim negava.
E que esse dia pouco a pouco se anunciava
limpo de ouro e de azul sobre a cal
do pátio, que fortalecia de luz o limoeiro,
podia ser o dia da nossa morte.
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, Relógio D'Água, 2000, Lisboa
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Poema de DIEGO DONCEL
A PRESENÇA DA ANGÚSTIA
1
Tal como caem os dias assim sobre esta terra
está a cair a angústia sobre o meu coração.
E cheios de velhice ficam os campos,
e a vida solitária e escura
como essas nuvens mortas que atravessam
o céu e às quais o tempo vai enchendo
de pó e de sombras nesta tarde de outono.
Tudo tem o seu fim e o seu destino escrito obscuramente.
E no mundo do homem que vivo
na mesma que no mundo humilde da terra
marcados vão os seres pela vida
ensinando-se a morrer. Bebem fogo de amor
noutra carne enferma, gozam a delícia
quando esquecem o seu mal, geram sonho de deuses
e nenhum pensamento os consola.
O terror é a morte e também este universo
de existências que vivem junto de mim com o seu mistério.
A terra, os pássaros, o rio, o homem
que via afadigar-se na luz foram
parte da minha alma, um vivo desejo
de unidade com o mundo
o qual com a sua presença purificava o meu íntimo.
Mas hoje, que é ontem e que eu não via,
a terra está árida de sol
debaixo das nuvens, os pássaros mostram o seu vasto
desalento nos altos ramos
com folhagens de cinza, o rio pedregoso volta
a dar-me o seu gosto de morte entre os juncos
e o homem, como eu, afundou-se
entre as sombras do medo e da loucura.
E não me basta ignorar, esquecer-me
de mim e do mundo quando ao destino
nada esquece, quando viver é cruel
e não sagrado. E sinto terror de mim
por existir, por me ver respirar, por contemplar
a minha miséria como um rumor mais do que vive.
Por ser o fruto
de uma natureza fatal.
O que vejo junto do meu corpo
é apenas desolação, uma desolação que sofre.
Há montes em solidão, e uma luz
que dá pobreza, e seres e coisas
que vivem marcados por um capricho celeste.
2
Tudo está só no meio do mundo
e nele só há formas sem sentido
a que dá alento a respiração da morte.
Agora vejo fúnebres no meu olhar
os bosques nos quais um dia
pus a descansar o meu coração,
e o que respiro perde-se
no ar do mundo sem que nada
os una.
Lá no alto o céu
agoniza a sua luz no lugar vazio
dos deuses e a humidade
das primeiras estrelas vai caindo
na minha alma como caem as ruínas
sobre o pó de um sonho.
Com os olhos queimados e humildes
olho entardecer o mar
e vejo como o lodaçal gelado das nuvens
devora o ouro da água e a tormenta
traz pastos e espaços calcinados à espuma
do meu coração.
Há algo velho em mim
que está velho no mundo, que vai apagando
o meu rosto com o musgo do cansaço,
que faz tremer as minhas mãos
debaixo do vazio celeste e pouco a pouco à vida
a vai enchendo de sal. Debaixo das sombras sinto apenas
náusea e terror de mim pois já não sou outra coisa
senão um animal devorado pelo tempo,
senão o lugar onde um homem e a sua razão
e os seus sonhos fracassam.
(...)
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, RelógioD'Água, 2000, Lisboa
1
Tal como caem os dias assim sobre esta terra
está a cair a angústia sobre o meu coração.
E cheios de velhice ficam os campos,
e a vida solitária e escura
como essas nuvens mortas que atravessam
o céu e às quais o tempo vai enchendo
de pó e de sombras nesta tarde de outono.
Tudo tem o seu fim e o seu destino escrito obscuramente.
E no mundo do homem que vivo
na mesma que no mundo humilde da terra
marcados vão os seres pela vida
ensinando-se a morrer. Bebem fogo de amor
noutra carne enferma, gozam a delícia
quando esquecem o seu mal, geram sonho de deuses
e nenhum pensamento os consola.
O terror é a morte e também este universo
de existências que vivem junto de mim com o seu mistério.
A terra, os pássaros, o rio, o homem
que via afadigar-se na luz foram
parte da minha alma, um vivo desejo
de unidade com o mundo
o qual com a sua presença purificava o meu íntimo.
Mas hoje, que é ontem e que eu não via,
a terra está árida de sol
debaixo das nuvens, os pássaros mostram o seu vasto
desalento nos altos ramos
com folhagens de cinza, o rio pedregoso volta
a dar-me o seu gosto de morte entre os juncos
e o homem, como eu, afundou-se
entre as sombras do medo e da loucura.
E não me basta ignorar, esquecer-me
de mim e do mundo quando ao destino
nada esquece, quando viver é cruel
e não sagrado. E sinto terror de mim
por existir, por me ver respirar, por contemplar
a minha miséria como um rumor mais do que vive.
Por ser o fruto
de uma natureza fatal.
O que vejo junto do meu corpo
é apenas desolação, uma desolação que sofre.
Há montes em solidão, e uma luz
que dá pobreza, e seres e coisas
que vivem marcados por um capricho celeste.
2
Tudo está só no meio do mundo
e nele só há formas sem sentido
a que dá alento a respiração da morte.
Agora vejo fúnebres no meu olhar
os bosques nos quais um dia
pus a descansar o meu coração,
e o que respiro perde-se
no ar do mundo sem que nada
os una.
Lá no alto o céu
agoniza a sua luz no lugar vazio
dos deuses e a humidade
das primeiras estrelas vai caindo
na minha alma como caem as ruínas
sobre o pó de um sonho.
Com os olhos queimados e humildes
olho entardecer o mar
e vejo como o lodaçal gelado das nuvens
devora o ouro da água e a tormenta
traz pastos e espaços calcinados à espuma
do meu coração.
Há algo velho em mim
que está velho no mundo, que vai apagando
o meu rosto com o musgo do cansaço,
que faz tremer as minhas mãos
debaixo do vazio celeste e pouco a pouco à vida
a vai enchendo de sal. Debaixo das sombras sinto apenas
náusea e terror de mim pois já não sou outra coisa
senão um animal devorado pelo tempo,
senão o lugar onde um homem e a sua razão
e os seus sonhos fracassam.
(...)
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, RelógioD'Água, 2000, Lisboa
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
NARCISO E SANSÃO - ANÁLISE DO MITO
Narciso e Sansão
Diversos pensadores voltam ao mito de Narciso como um emblema dos valores e atitudes que dominam a sociedade contemporânea.
Na mitologia grega, Narciso era um jovem bonito e vaidoso que rejeitou os avanços das ninfas Eco e Aminia. Aminia, ferida no seu orgulho, amaldiçoou o jovem, desejando que nunca possuísse o objecto do seu amor. Um dia, Narciso curvou-se para beber água de uma fonte. Vendo a sua própria face refletida na água, enamorou-se dela. Narciso foi tão atraído pela sua própria imagem que freqüentemente voltava à fonte para se contemplar. Assim foi ele enfraquecendo até que morreu. Outra versão da lenda conta que, vendo-se na água, procurou abraçar a sua própria imagem e afogou-se na tentativa. Naquele lugar, segundo a lenda, brotou uma nova flor que toma o nome do seu criador infeliz — narciso.
Foi Sigmundo Freud que acrescentou o termo narcisismo ao vocabulário da psicologia para designar amor à própria imagem e a etapa do desenvolvimento na qual a criança faz do próprio eu o objecto principal do seu amor.
Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana, narcisistas são indivíduos arrogantes e convencidos que têm fantasias magníficas sobre si mesmos. Eles superestimam o seu sucesso, precisam ser constantemente admirados e sempre esperam tratamento preferencial. Os narcisistas estão convencidos de que merecem mais do que recebem. Preocupam-se em ter boa aparência e manter-se jovens. Não são sensíveis às necessidades e aos problemas dos outros. Com pouca tolerância para a crítica, freqüentemente reagem com fúria a ofensas reais ou imaginárias. Tendem a ser do sexo masculino mais do que do feminino.
Em suma, os narcisistas focalizam-se a si mesmos, fascinados com a sua personalidade e o seu corpo, “com um individualismo atroz que carece de valores morais e sociais. O princípio do Hedonismo.
Este individualismo centrado em si procura apenas gratificação própria e prazer. O desejo de bem-estar e de divertir-se eclipsa tudo o mais. Insensibilidade e indiferença dominam a atitude do narcisista para com o resto do mundo e os interesses ou necessidades dos outros. Importantes questões filosóficas, religiosas, econômicas ou políticas despertam uma curiosidade apenas superficial. O que importa é conforto e uma bela aparência, preservar o nível de vida e gratificar o eu. Assim o narcisista vive apenas no presente e não se preocupa com o passado ou o futuro. A filosofia de “faça o que lhe apraz”, “não se preocupe”, “seja feliz” e “divirta-se” torna-se o princípio que lhe governa a vida.
A cultura do narcisismo
A cultura do narcisismo é a celebração da aparência física, o triunfo do espelho e o culto da própria imagem. Milan Kundera, o famoso escritor checo, cunhou o termo “imagologia” para indicar o poder da imagem social imposta por aqueles que determinam a moda e a sua importância em todos os aspectos da vida: a roupa que devíamos vestir, os aparelhos que devíamos usar, a combinação de cores que devíamos preferir em casa, em quem votar e a quem aplaudir num evento desportivo. O termo “imagologia”, diz Kundera, “ajuda a combinar numa palavra aquilo que tem tantos nomes: agências de publicidade, consultores de imagem para políticos, etc. E assim chegamos ao narcisismo pós-moderno: as ideologias estão mortas e a “imagologia” reina.
Diversos pensadores voltam ao mito de Narciso como um emblema dos valores e atitudes que dominam a sociedade contemporânea.
Na mitologia grega, Narciso era um jovem bonito e vaidoso que rejeitou os avanços das ninfas Eco e Aminia. Aminia, ferida no seu orgulho, amaldiçoou o jovem, desejando que nunca possuísse o objecto do seu amor. Um dia, Narciso curvou-se para beber água de uma fonte. Vendo a sua própria face refletida na água, enamorou-se dela. Narciso foi tão atraído pela sua própria imagem que freqüentemente voltava à fonte para se contemplar. Assim foi ele enfraquecendo até que morreu. Outra versão da lenda conta que, vendo-se na água, procurou abraçar a sua própria imagem e afogou-se na tentativa. Naquele lugar, segundo a lenda, brotou uma nova flor que toma o nome do seu criador infeliz — narciso.
Foi Sigmundo Freud que acrescentou o termo narcisismo ao vocabulário da psicologia para designar amor à própria imagem e a etapa do desenvolvimento na qual a criança faz do próprio eu o objecto principal do seu amor.
Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana, narcisistas são indivíduos arrogantes e convencidos que têm fantasias magníficas sobre si mesmos. Eles superestimam o seu sucesso, precisam ser constantemente admirados e sempre esperam tratamento preferencial. Os narcisistas estão convencidos de que merecem mais do que recebem. Preocupam-se em ter boa aparência e manter-se jovens. Não são sensíveis às necessidades e aos problemas dos outros. Com pouca tolerância para a crítica, freqüentemente reagem com fúria a ofensas reais ou imaginárias. Tendem a ser do sexo masculino mais do que do feminino.
Em suma, os narcisistas focalizam-se a si mesmos, fascinados com a sua personalidade e o seu corpo, “com um individualismo atroz que carece de valores morais e sociais. O princípio do Hedonismo.
Este individualismo centrado em si procura apenas gratificação própria e prazer. O desejo de bem-estar e de divertir-se eclipsa tudo o mais. Insensibilidade e indiferença dominam a atitude do narcisista para com o resto do mundo e os interesses ou necessidades dos outros. Importantes questões filosóficas, religiosas, econômicas ou políticas despertam uma curiosidade apenas superficial. O que importa é conforto e uma bela aparência, preservar o nível de vida e gratificar o eu. Assim o narcisista vive apenas no presente e não se preocupa com o passado ou o futuro. A filosofia de “faça o que lhe apraz”, “não se preocupe”, “seja feliz” e “divirta-se” torna-se o princípio que lhe governa a vida.
A cultura do narcisismo
A cultura do narcisismo é a celebração da aparência física, o triunfo do espelho e o culto da própria imagem. Milan Kundera, o famoso escritor checo, cunhou o termo “imagologia” para indicar o poder da imagem social imposta por aqueles que determinam a moda e a sua importância em todos os aspectos da vida: a roupa que devíamos vestir, os aparelhos que devíamos usar, a combinação de cores que devíamos preferir em casa, em quem votar e a quem aplaudir num evento desportivo. O termo “imagologia”, diz Kundera, “ajuda a combinar numa palavra aquilo que tem tantos nomes: agências de publicidade, consultores de imagem para políticos, etc. E assim chegamos ao narcisismo pós-moderno: as ideologias estão mortas e a “imagologia” reina.
Componente trágico do narcisismo
A despeito de seu êxito, o narcisismo tem um componente trágico que não pode ser esquecido — a maldição de Aminia: a incapacidade de amar outra pessoa. Os narcisistas estão enamorados do espelho, procurando descobrir a sua própria imagem nos outros. Estão condenados à insatisfação perpétua. A vida para eles é uma experiência absurda que os deixa num vazio interior e os faz sofrer; tal é “a estratégia vazia” do narcisismo. O drama de Narciso, a ausência de sentimento e transcendência, inexoravelmente condena a pessoa à solidão e destruição própria. O mito é implacável e fatal. (...)
Consideremos, por exemplo, a história de Sansão, que pode ser comparada ao mito de Narciso de muitos modos, mas mostra a tragédia do egocentrismo e o triunfo do desprendimento.
A experiência de Sansão com o narcisismo
Sansão foi chamado para libertar o seu povo da submissão a uma potência estrangeira. Deus dotou-o com capacidades e recursos extraordinários, inclusive uma força fora do comum. Sansão, todavia, dedicou a maior parte da sua vida exibindo o espectáculo da sua figura, ostentando com orgulho a sua engenhosidade e músculos poderosos. Procurava egoistamente a satisfação sensual com mulheres de moral duvidosa e ficava terrivelmente frustrado quando não era satisfeito. De certo modo procurava ser um Narciso.
A narrativa bíblica (Livro dos Juízes 13-16) mostra os principais episódios da sua vida: (1) nascimento milagroso com um desígnio; (2) casamento; (3) confrontos com os filisteus; (4) visita à prostituta de Gaza; (5) a traição de Dalila e (6) cativeiro, punição, arrependimento, fé e triunfo na morte.
A história é dramática e cheia de colorido. Um anjo comunica aos pais de Sansão o nascimento milagroso do herói. O mensageiro celeste dá uma série de recomendações dietéticas e educacionais, visto que a criança terá de consagrar-se a Deus. O primeiro acontecimento a desafiar Sansão foi o seu desejo de casar-se com uma mulher filistéia, membro do próprio povo do qual ele devia livrar Israel. Simplesmente disse que a mulher lhe agradava.Os pais fizeram uma objecção inicial, mas afinal cederam. Durante a festa nupcial, Sansão gastou mais tempo tentando chamar a atenção dos convidados para os seus enigmas do que cortejando a sua mulher. Quando o enigma foi revelado, com o auxílio da sua esposa, ele ficou tão violento que matou 30 filisteus a fim de pagar a aposta. Então voltou para casa, esquecendo completamente a esposa. O orgulho ferido era mais forte do que a estima pela sua mulher. Algum tempo depois ele voltou à sua procura, mas era demasiado tarde; ela já se casara com outro homem. De novo, ele sofreu outra ferida “narcísica”, reagindo com violência fora do comum e queimando os campos dos filisteus. Essa agressão incitou os filisteus a atacar os israelitas. Os israelitas convenceram Sansão a entregar-se, e ele foi amarrado e levado aos filisteus. Mas Sansão rompeu as cordas e matou mil homens.
Noutra ocasião, Sansão visitou uma prostituta em Gaza. Os filisteus cercaram a cidade a fim de guardar os portões e capturá-lo. Todavia, à meia noite ele levantou-se e carregou o portão e os seus dois pilares sobre os ombros, levando-os até o topo de uma colina. Então Sansão enamorou-se de outra mulher chamada Dalila, que o traiu quando ele revelou o segredo da sua força. Dalila cortou-lhe o cabelo enquanto ele estava adormecido e o Espírito retirou-se de Sansão. Foi capturado pelos seus inimigos, os seus olhos foram vazados e ele foi atirado para uma prisão e condenado a trabalho forçado. Sob circunstâncias desfavoráveis e difíceis, Sansão caiu em si e arrependeu-se.
Sansão arrepende-se do narcisismo
Sansão mudou a direcção da sua vida executando um acto final verdadeiramente heróico. Os seus captores tinham-no levado a uma festa celebrada no templo dedicado a Dagon. Aí foi exibido como o símbolo altivo do triunfo dos filisteus. Cego e amarrado, Sansão foi feito objecto de ridículo e zombaria. Em sua pessoa, o Deus do universo e Seu povo foram publicamente zombados. Nesse momento crítico, Sansão voltou-se para Deus, pediu perdão pelas suas acções egocêntricas e rogou para que as forças lhe fossem de novo dadas, desta vez para mostrar que Deus é Deus. A sua oração foi atendida. Sansão podia sentir o poder de Deus animando-o. Abraçou os dois pilares centrais do edifício e puxou-os com toda a força até que os derrubou. Assim morreu Sansão e Dalila com 3.000 dos seus inimigos.
A despeito de seu êxito, o narcisismo tem um componente trágico que não pode ser esquecido — a maldição de Aminia: a incapacidade de amar outra pessoa. Os narcisistas estão enamorados do espelho, procurando descobrir a sua própria imagem nos outros. Estão condenados à insatisfação perpétua. A vida para eles é uma experiência absurda que os deixa num vazio interior e os faz sofrer; tal é “a estratégia vazia” do narcisismo. O drama de Narciso, a ausência de sentimento e transcendência, inexoravelmente condena a pessoa à solidão e destruição própria. O mito é implacável e fatal. (...)
Consideremos, por exemplo, a história de Sansão, que pode ser comparada ao mito de Narciso de muitos modos, mas mostra a tragédia do egocentrismo e o triunfo do desprendimento.
A experiência de Sansão com o narcisismo
Sansão foi chamado para libertar o seu povo da submissão a uma potência estrangeira. Deus dotou-o com capacidades e recursos extraordinários, inclusive uma força fora do comum. Sansão, todavia, dedicou a maior parte da sua vida exibindo o espectáculo da sua figura, ostentando com orgulho a sua engenhosidade e músculos poderosos. Procurava egoistamente a satisfação sensual com mulheres de moral duvidosa e ficava terrivelmente frustrado quando não era satisfeito. De certo modo procurava ser um Narciso.
A narrativa bíblica (Livro dos Juízes 13-16) mostra os principais episódios da sua vida: (1) nascimento milagroso com um desígnio; (2) casamento; (3) confrontos com os filisteus; (4) visita à prostituta de Gaza; (5) a traição de Dalila e (6) cativeiro, punição, arrependimento, fé e triunfo na morte.
A história é dramática e cheia de colorido. Um anjo comunica aos pais de Sansão o nascimento milagroso do herói. O mensageiro celeste dá uma série de recomendações dietéticas e educacionais, visto que a criança terá de consagrar-se a Deus. O primeiro acontecimento a desafiar Sansão foi o seu desejo de casar-se com uma mulher filistéia, membro do próprio povo do qual ele devia livrar Israel. Simplesmente disse que a mulher lhe agradava.Os pais fizeram uma objecção inicial, mas afinal cederam. Durante a festa nupcial, Sansão gastou mais tempo tentando chamar a atenção dos convidados para os seus enigmas do que cortejando a sua mulher. Quando o enigma foi revelado, com o auxílio da sua esposa, ele ficou tão violento que matou 30 filisteus a fim de pagar a aposta. Então voltou para casa, esquecendo completamente a esposa. O orgulho ferido era mais forte do que a estima pela sua mulher. Algum tempo depois ele voltou à sua procura, mas era demasiado tarde; ela já se casara com outro homem. De novo, ele sofreu outra ferida “narcísica”, reagindo com violência fora do comum e queimando os campos dos filisteus. Essa agressão incitou os filisteus a atacar os israelitas. Os israelitas convenceram Sansão a entregar-se, e ele foi amarrado e levado aos filisteus. Mas Sansão rompeu as cordas e matou mil homens.
Noutra ocasião, Sansão visitou uma prostituta em Gaza. Os filisteus cercaram a cidade a fim de guardar os portões e capturá-lo. Todavia, à meia noite ele levantou-se e carregou o portão e os seus dois pilares sobre os ombros, levando-os até o topo de uma colina. Então Sansão enamorou-se de outra mulher chamada Dalila, que o traiu quando ele revelou o segredo da sua força. Dalila cortou-lhe o cabelo enquanto ele estava adormecido e o Espírito retirou-se de Sansão. Foi capturado pelos seus inimigos, os seus olhos foram vazados e ele foi atirado para uma prisão e condenado a trabalho forçado. Sob circunstâncias desfavoráveis e difíceis, Sansão caiu em si e arrependeu-se.
Sansão arrepende-se do narcisismo
Sansão mudou a direcção da sua vida executando um acto final verdadeiramente heróico. Os seus captores tinham-no levado a uma festa celebrada no templo dedicado a Dagon. Aí foi exibido como o símbolo altivo do triunfo dos filisteus. Cego e amarrado, Sansão foi feito objecto de ridículo e zombaria. Em sua pessoa, o Deus do universo e Seu povo foram publicamente zombados. Nesse momento crítico, Sansão voltou-se para Deus, pediu perdão pelas suas acções egocêntricas e rogou para que as forças lhe fossem de novo dadas, desta vez para mostrar que Deus é Deus. A sua oração foi atendida. Sansão podia sentir o poder de Deus animando-o. Abraçou os dois pilares centrais do edifício e puxou-os com toda a força até que os derrubou. Assim morreu Sansão e Dalila com 3.000 dos seus inimigos.
Certamente extraordinária e prodigiosa era a sua força, destinada a cumprir uma missão de libertação divinamente ordenada. Ele compreendeu isso no último momento. Em vez de usar a sua força para servir, usara-a para ser “sol”, para se fazer o centro brilhante do espectáculo. É claro que Sansão não era um psicopata ou um gigante de cérebro vazio. Ao contrário, ele era engenhoso, sensível, tinha veia poética e repetidamente escapou das armadilhas dos filisteus . O seu ponto fraco eram as mulheres, mas não era um maníaco sexual. Em vez de ser derrotado por mulheres, Sansão foi derrotado pela sua própria arrogância e narcisismo.
Há um ponto chave nesta história: a questão do olhar. A vista desempenha um papel importante do começo ao fim da vida de Sansão. Enamorou-se da mulher filistéia porque disse: “Ela agrada aos meus olhos”. O mesmo pode ter sucedido com a prostituta de Gaza. Foi por causa disso que os seus inimigos o puniram com a cegueira? Foi esse o ponto decisivo. Somente naquele momento Sansão pôde olhar para dentro e recuperar o sentido da sua vida.
Há um ponto chave nesta história: a questão do olhar. A vista desempenha um papel importante do começo ao fim da vida de Sansão. Enamorou-se da mulher filistéia porque disse: “Ela agrada aos meus olhos”. O mesmo pode ter sucedido com a prostituta de Gaza. Foi por causa disso que os seus inimigos o puniram com a cegueira? Foi esse o ponto decisivo. Somente naquele momento Sansão pôde olhar para dentro e recuperar o sentido da sua vida.
Mário Pereyra, psicólogo clínico, professor universitário na Faculdade de Montemorelos, México
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Poema de Anna Akhmatova
Acordar de madrugada
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvesnecer.
Julho de 1917
Slepnevo
Tradução do russo, Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier, Edições Cotovia, 1992
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
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