segunda-feira, 5 de julho de 2010

O HOMEM e a MORTE - EDGAR MORIN

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La Rochefoucauld dizia que para o Sol e para a morte não se podia olhar de frente. Desde então, os astrónomos, com os ardis infinitos da sua ciência - de todas as ciências -, já pesaram o Sol, já lhe calcularam a idade, já lhe anunciaram o fim. Mas a ciência ficou como que intimidada e tremente perante o outro sol, a morte. Continua a ser verdadeiro o comentário de Metchnikoff: «A nossa inteligência, que se tornou tão ousada e tão activa, mal se tem dedicado à morte.»
Mal se tem dedicado porque o homem ora renuncia a olhar para a morte, a coloca entre parênteses e a esquece como acabamos por nos esquecer do sol, ora, pelo contrário, a olha com aquele olhar fixo, hipnótico, que se perde no estupor e donde nascem as miragens. O homem, que negligenciou de mais a morte, desejou também de mais olhá-la de frente, em vez de tentar enredá-la com a sua astúcia.
Ainda inocente, não soube que aquela morte à qual dirigiu tantos clamores e preces não era senão a sua própria imagem, o seu próprio mito, e que, julgando olhá-la, olhava para si próprio.
E, acima de tudo, não compreendeu que o mistério primeiro era, não a morte, mas a sua atitude para com a morte (nada se sabe da psicologia da morte, diz Flugel). Tomou essa atitude por evidente, em vez de lhe pesquisar os segredos.
Portanto, é necessário inverter a óptica, inverter as evidências, procurar a chave onde se julgava estar a fechadura, bater às portas do homem antes de bater às portas da morte. É necessário revelar as paixões profundas do homem para com a morte, considerar o mito na sua humanidade e considerar o próprio homem como guardião inconsciente do segredo. Então, e só então, poderemos interpelar a morte desnudada, lavada, desmaquilhada, desumanizada, e dissecá-la na sua pura realidade biológica.
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