A beleza faz o vazio - cria-o -, tal como se essa face que tudo adquire quando está banhado por ela viesse de um longínquo nada e a ele tivesse de voltar, deixando a cinza do seu rosto à condição terrestre, a esse ser que da beleza participa. E que lhe pede sempre um corpo, o seu traslado, do qual por uma espécie de misericórdia lhe deixa às vezes o rasto: pó ou cinza. E em vez do nada, um vazio qualitativo, fechado e puro ao mesmo tempo, sombra da face da beleza quando parte. Mas a beleza que cria esse seu vazio, fá-lo seu depois, porque lhe pertence, é a sua auréola, o seu espaço sacro onde fica intangível. Um espaço onde ao ser terrestre não é possível instalar-se, mas que o convida a sair de si, que leva a sair de si o ser escondido, alma acompanhada pelos sentidos; que arrasta consigo o existir corporal e o envolve, unifica-o. E no próprio limiar do vazio que cria a beleza, o ser terrestre, corporal e existente, rende-se; rende a sua pretensão de ser separadamente, e até a de ser ele, ele próprio; entrega os seus sentidos que se tornam unos com a alma. Um acontecimento a que se chamou contemplação e esquecimento de todo o cuidado.
domingo, 9 de setembro de 2012
MARIA ZAMBRANO - O Vazio e a Beleza
A beleza faz o vazio - cria-o -, tal como se essa face que tudo adquire quando está banhado por ela viesse de um longínquo nada e a ele tivesse de voltar, deixando a cinza do seu rosto à condição terrestre, a esse ser que da beleza participa. E que lhe pede sempre um corpo, o seu traslado, do qual por uma espécie de misericórdia lhe deixa às vezes o rasto: pó ou cinza. E em vez do nada, um vazio qualitativo, fechado e puro ao mesmo tempo, sombra da face da beleza quando parte. Mas a beleza que cria esse seu vazio, fá-lo seu depois, porque lhe pertence, é a sua auréola, o seu espaço sacro onde fica intangível. Um espaço onde ao ser terrestre não é possível instalar-se, mas que o convida a sair de si, que leva a sair de si o ser escondido, alma acompanhada pelos sentidos; que arrasta consigo o existir corporal e o envolve, unifica-o. E no próprio limiar do vazio que cria a beleza, o ser terrestre, corporal e existente, rende-se; rende a sua pretensão de ser separadamente, e até a de ser ele, ele próprio; entrega os seus sentidos que se tornam unos com a alma. Um acontecimento a que se chamou contemplação e esquecimento de todo o cuidado.
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