segunda-feira, 1 de março de 2010

Poema de ÁLVARO DE CAMPOS

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.


A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.




Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...


E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...


sábado, 20 de fevereiro de 2010

ARVO PART - Cantus in Memory of Benjamin Britten

IN MEMORIAM


Poema de DIEGO DONCEL

IN MEMORIAM OU A MORTE DO OUTRO


Abraçámo-nos como dois animais
indefesos à mercê do destino
com a alma partida de dor. E chorámos
sobre os nossos ombros esta pobre aventura
da vida à qual alguém, num mau sonho,
nos condena. Sentimos,
quando só saíam lágrimas da tua boca
e da minha, o fracasso de ser homens
e esse inútil consolo de partilhar
toda a nossa desgraça.
Estava a sala escura, tal qual o mundo,
árido o ar e sem alento como o nosso coração,
junto de nós não havia ninguém,
apenas o corpo de um homem face
à dura solidão da morte, e ao fundo vozes
de homens vivos que desprezam viver.

Ao longo das horas e ao longo dos seres
a noite foi vertendo entre nós a sua cinza,
o seu demónio e o seu nada entre os que velámos
aquele corpo defunto. Num canto uma mulher
gritava em vão a um deus que não existia.
E era a dor quem falava
ao estar abandonada diante da solidão,
ao sentir em seu redor o mundo desolado,
ao ver como o tempo arrebatava tudo e o homem
nada é neste cruel castigo da vida.
Como é absurdo amar diante da morte.

E queimaram-nos ainda mais os olhos
durante toda a noite aquelas súplicas
de desespero, sabermos
que nenhum tempo nem nenhum mundo
acolheria aquele corpo,
que depois da morte não há mais além
a não ser a hostil razão da matéria.

O pó nesse homem voltava ao pó
e ao nada o tempo, tal como a consciência
que até há pouco existiu.
E gelou-se-nos o sangue ao contemplar
que essas mãos sem vida tantas vezes
pegaram nas nossas, e essa boca que te beijou
e a mim falava de amizade
agora está parada e muda respirando o silêncio,
e esses olhos fechados, porque só na escuridão
se vê o vazio.

E pensámos, com as mãos tapando-nos
o rosto de terror, que esse pó,
esse nada, essa falta de consciência
era o futuro do nosso ser e o homem
um extravio da natureza
que a natureza ao fim negava.

E que esse dia pouco a pouco se anunciava
limpo de ouro e de azul sobre a cal
do pátio, que fortalecia de luz o limoeiro,
podia ser o dia da nossa morte.


Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, Relógio D'Água, 2000, Lisboa


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

HELENA ALMEIDA

Uma ARTISTA que muito admiro






HELENA ALMEIDA




















Poema de DIEGO DONCEL

A PRESENÇA DA ANGÚSTIA

1

Tal como caem os dias assim sobre esta terra
está a cair a angústia sobre o meu coração.
E cheios de velhice ficam os campos,
e a vida solitária e escura
como essas nuvens mortas que atravessam
o céu e às quais o tempo vai enchendo
de pó e de sombras nesta tarde de outono.

Tudo tem o seu fim e o seu destino escrito obscuramente.

E no mundo do homem que vivo
na mesma que no mundo humilde da terra
marcados vão os seres pela vida
ensinando-se a morrer. Bebem fogo de amor
noutra carne enferma, gozam a delícia
quando esquecem o seu mal, geram sonho de deuses
e nenhum pensamento os consola.

O terror é a morte e também este universo
de existências que vivem junto de mim com o seu mistério.
A terra, os pássaros, o rio, o homem
que via afadigar-se na luz foram
parte da minha alma, um vivo desejo
de unidade com o mundo
o qual com a sua presença purificava o meu íntimo.
Mas hoje, que é ontem e que eu não via,
a terra está árida de sol
debaixo das nuvens, os pássaros mostram o seu vasto
desalento nos altos ramos
com folhagens de cinza, o rio pedregoso volta
a dar-me o seu gosto de morte entre os juncos
e o homem, como eu, afundou-se
entre as sombras do medo e da loucura.
E não me basta ignorar, esquecer-me
de mim e do mundo quando ao destino
nada esquece, quando viver é cruel
e não sagrado. E sinto terror de mim
por existir, por me ver respirar, por contemplar
a minha miséria como um rumor mais do que vive.
Por ser o fruto
de uma natureza fatal.
O que vejo junto do meu corpo
é apenas desolação, uma desolação que sofre.
Há montes em solidão, e uma luz
que dá pobreza, e seres e coisas
que vivem marcados por um capricho celeste.

2

Tudo está só no meio do mundo
e nele só há formas sem sentido
a que dá alento a respiração da morte.

Agora vejo fúnebres no meu olhar
os bosques nos quais um dia
pus a descansar o meu coração,
e o que respiro perde-se
no ar do mundo sem que nada
os una.
Lá no alto o céu
agoniza a sua luz no lugar vazio
dos deuses e a humidade
das primeiras estrelas vai caindo
na minha alma como caem as ruínas
sobre o pó de um sonho.

Com os olhos queimados e humildes
olho entardecer o mar
e vejo como o lodaçal gelado das nuvens
devora o ouro da água e a tormenta
traz pastos e espaços calcinados à espuma
do meu coração.

Há algo velho em mim
que está velho no mundo, que vai apagando
o meu rosto com o musgo do cansaço,
que faz tremer as minhas mãos
debaixo do vazio celeste e pouco a pouco à vida
a vai enchendo de sal. Debaixo das sombras sinto apenas
náusea e terror de mim pois já não sou outra coisa
senão um animal devorado pelo tempo,
senão o lugar onde um homem e a sua razão
e os seus sonhos fracassam.

(...)

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, RelógioD'Água, 2000, Lisboa

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A BELEZA DA SINFONIA Nº9 DE GUSTAV MAHLER - por MYUNG-WUNG CHUNG

NARCISO E SANSÃO - ANÁLISE DO MITO

Narciso e Sansão

Diversos pensadores voltam ao mito de Narciso como um emblema dos valores e atitudes que dominam a sociedade contemporânea.
Na mitologia grega, Narciso era um jovem bonito e vaidoso que rejeitou os avanços das ninfas Eco e Aminia. Aminia, ferida no seu orgulho, amaldiçoou o jovem, desejando que nunca possuísse o objecto do seu amor. Um dia, Narciso curvou-se para beber água de uma fonte. Vendo a sua própria face refletida na água, enamorou-se dela. Narciso foi tão atraído pela sua própria imagem que freqüentemente voltava à fonte para se contemplar. Assim foi ele enfraquecendo até que morreu. Outra versão da lenda conta que, vendo-se na água, procurou abraçar a sua própria imagem e afogou-se na tentativa. Naquele lugar, segundo a lenda, brotou uma nova flor que toma o nome do seu criador infeliz — narciso.
Foi Sigmundo Freud que acrescentou o termo narcisismo ao vocabulário da psicologia para designar amor à própria imagem e a etapa do desenvolvimento na qual a criança faz do próprio eu o objecto principal do seu amor.

Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana, narcisistas são indivíduos arrogantes e convencidos que têm fantasias magníficas sobre si mesmos. Eles superestimam o seu sucesso, precisam ser constantemente admirados e sempre esperam tratamento preferencial. Os narcisistas estão convencidos de que merecem mais do que recebem. Preocupam-se em ter boa aparência e manter-se jovens. Não são sensíveis às necessidades e aos problemas dos outros. Com pouca tolerância para a crítica, freqüentemente reagem com fúria a ofensas reais ou imaginárias. Tendem a ser do sexo masculino mais do que do feminino.
Em suma, os narcisistas focalizam-se a si mesmos, fascinados com a sua personalidade e o seu corpo, “com um individualismo atroz que carece de valores morais e sociais. O princípio do Hedonismo.
Este individualismo centrado em si procura apenas gratificação própria e prazer. O desejo de bem-estar e de divertir-se eclipsa tudo o mais. Insensibilidade e indiferença dominam a atitude do narcisista para com o resto do mundo e os interesses ou necessidades dos outros. Importantes questões filosóficas, religiosas, econômicas ou políticas despertam uma curiosidade apenas superficial. O que importa é conforto e uma bela aparência, preservar o nível de vida e gratificar o eu. Assim o narcisista vive apenas no presente e não se preocupa com o passado ou o futuro. A filosofia de “faça o que lhe apraz”, “não se preocupe”, “seja feliz” e “divirta-se” torna-se o princípio que lhe governa a vida.

A cultura do narcisismo
A cultura do narcisismo é a celebração da aparência física, o triunfo do espelho e o culto da própria imagem. Milan Kundera, o famoso escritor checo, cunhou o termo “imagologia” para indicar o poder da imagem social imposta por aqueles que determinam a moda e a sua importância em todos os aspectos da vida: a roupa que devíamos vestir, os aparelhos que devíamos usar, a combinação de cores que devíamos preferir em casa, em quem votar e a quem aplaudir num evento desportivo. O termo “imagologia”, diz Kundera, “ajuda a combinar numa palavra aquilo que tem tantos nomes: agências de publicidade, consultores de imagem para políticos, etc. E assim chegamos ao narcisismo pós-moderno: as ideologias estão mortas e a “imagologia” reina.
Componente trágico do narcisismo
A despeito de seu êxito, o narcisismo tem um componente trágico que não pode ser esquecido — a maldição de Aminia: a incapacidade de amar outra pessoa. Os narcisistas estão enamorados do espelho, procurando descobrir a sua própria imagem nos outros. Estão condenados à insatisfação perpétua. A vida para eles é uma experiência absurda que os deixa num vazio interior e os faz sofrer; tal é “a estratégia vazia” do narcisismo. O drama de Narciso, a ausência de sentimento e transcendência, inexoravelmente condena a pessoa à solidão e destruição própria. O mito é implacável e fatal. (...)
Consideremos, por exemplo, a história de Sansão, que pode ser comparada ao mito de Narciso de muitos modos, mas mostra a tragédia do egocentrismo e o triunfo do desprendimento.
A experiência de Sansão com o narcisismo
Sansão foi chamado para libertar o seu povo da submissão a uma potência estrangeira. Deus dotou-o com capacidades e recursos extraordinários, inclusive uma força fora do comum. Sansão, todavia, dedicou a maior parte da sua vida exibindo o espectáculo da sua figura, ostentando com orgulho a sua engenhosidade e músculos poderosos. Procurava egoistamente a satisfação sensual com mulheres de moral duvidosa e ficava terrivelmente frustrado quando não era satisfeito. De certo modo procurava ser um Narciso.
A narrativa bíblica (Livro dos Juízes 13-16) mostra os principais episódios da sua vida: (1) nascimento milagroso com um desígnio; (2) casamento; (3) confrontos com os filisteus; (4) visita à prostituta de Gaza; (5) a traição de Dalila e (6) cativeiro, punição, arrependimento, fé e triunfo na morte.
A história é dramática e cheia de colorido. Um anjo comunica aos pais de Sansão o nascimento milagroso do herói. O mensageiro celeste dá uma série de recomendações dietéticas e educacionais, visto que a criança terá de consagrar-se a Deus. O primeiro acontecimento a desafiar Sansão foi o seu desejo de casar-se com uma mulher filistéia, membro do próprio povo do qual ele devia livrar Israel. Simplesmente disse que a mulher lhe agradava.Os pais fizeram uma objecção inicial, mas afinal cederam. Durante a festa nupcial, Sansão gastou mais tempo tentando chamar a atenção dos convidados para os seus enigmas do que cortejando a sua mulher. Quando o enigma foi revelado, com o auxílio da sua esposa, ele ficou tão violento que matou 30 filisteus a fim de pagar a aposta. Então voltou para casa, esquecendo completamente a esposa. O orgulho ferido era mais forte do que a estima pela sua mulher. Algum tempo depois ele voltou à sua procura, mas era demasiado tarde; ela já se casara com outro homem. De novo, ele sofreu outra ferida “narcísica”, reagindo com violência fora do comum e queimando os campos dos filisteus. Essa agressão incitou os filisteus a atacar os israelitas. Os israelitas convenceram Sansão a entregar-se, e ele foi amarrado e levado aos filisteus. Mas Sansão rompeu as cordas e matou mil homens.
Noutra ocasião, Sansão visitou uma prostituta em Gaza. Os filisteus cercaram a cidade a fim de guardar os portões e capturá-lo. Todavia, à meia noite ele levantou-se e carregou o portão e os seus dois pilares sobre os ombros, levando-os até o topo de uma colina. Então Sansão enamorou-se de outra mulher chamada Dalila, que o traiu quando ele revelou o segredo da sua força. Dalila cortou-lhe o cabelo enquanto ele estava adormecido e o Espírito retirou-se de Sansão. Foi capturado pelos seus inimigos, os seus olhos foram vazados e ele foi atirado para uma prisão e condenado a trabalho forçado. Sob circunstâncias desfavoráveis e difíceis, Sansão caiu em si e arrependeu-se.
Sansão arrepende-se do narcisismo
Sansão mudou a direcção da sua vida executando um acto final verdadeiramente heróico. Os seus captores tinham-no levado a uma festa celebrada no templo dedicado a Dagon. Aí foi exibido como o símbolo altivo do triunfo dos filisteus. Cego e amarrado, Sansão foi feito objecto de ridículo e zombaria. Em sua pessoa, o Deus do universo e Seu povo foram publicamente zombados. Nesse momento crítico, Sansão voltou-se para Deus, pediu perdão pelas suas acções egocêntricas e rogou para que as forças lhe fossem de novo dadas, desta vez para mostrar que Deus é Deus. A sua oração foi atendida. Sansão podia sentir o poder de Deus animando-o. Abraçou os dois pilares centrais do edifício e puxou-os com toda a força até que os derrubou. Assim morreu Sansão e Dalila com 3.000 dos seus inimigos.
Certamente extraordinária e prodigiosa era a sua força, destinada a cumprir uma missão de libertação divinamente ordenada. Ele compreendeu isso no último momento. Em vez de usar a sua força para servir, usara-a para ser “sol”, para se fazer o centro brilhante do espectáculo. É claro que Sansão não era um psicopata ou um gigante de cérebro vazio. Ao contrário, ele era engenhoso, sensível, tinha veia poética e repetidamente escapou das armadilhas dos filisteus . O seu ponto fraco eram as mulheres, mas não era um maníaco sexual. Em vez de ser derrotado por mulheres, Sansão foi derrotado pela sua própria arrogância e narcisismo.
Há um ponto chave nesta história: a questão do olhar. A vista desempenha um papel importante do começo ao fim da vida de Sansão. Enamorou-se da mulher filistéia porque disse: “Ela agrada aos meus olhos”. O mesmo pode ter sucedido com a prostituta de Gaza. Foi por causa disso que os seus inimigos o puniram com a cegueira? Foi esse o ponto decisivo. Somente naquele momento Sansão pôde olhar para dentro e recuperar o sentido da sua vida.
Mário Pereyra, psicólogo clínico, professor universitário na Faculdade de Montemorelos, México
A FACA DE DALILA E A FORÇA PERDIDA DE SANSÃO


A FACA OU TESOURA DE DALILA

INVEJA DO PÉNIS ??? ( FREUD)











Algo de trágico une estas duas interpretações de klaus Nomi e Callas - SANSÃO E DALILA POR KLAUS NOMI

kLAUS NOMI -THE COLD SONG

SANSÃO e DALILA - Mon coeur s'ouvre a ta voix - MARIA CALLAS

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

AMANHÃ o lançamento do último romance de valter hugo mãe - Biblioteca Almeida Garrett - Porto - 21.30h



Poema de Anna Akhmatova

Acordar de madrugada
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvesnecer.
Julho de 1917
Slepnevo
Tradução do russo, Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier, Edições Cotovia, 1992

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

EGON SCHIELE


Poema de RUI PIRES CABRAL

SHIRLEY ANN EALES (2005)


Na vitrina lê-se Livros Raros
e Usados sob o azul inclinado
de um toldo – mesmo em frente
à glacial cafetaria de franchise
onde o dia destrata o desejo
e não se pode fumar. Subo
aos pequenos gabinetes
mergulhados no doce bafio
da literatura e percorro de A
a Z as espinhas estreitas


e rachadas da poesia. É o sítio
mais vazio de Novembro
e o que mais me reconforta;
o livro que escolho, por metade
de uma libra, traz no frontispício
um nome e uma morada: Shirley Ann
Eales, de Scottsville – um sumido
autógrafo de maiúsculas magras
e triangulares onde a imaginação
encontra por enquanto pretexto


e oxigénio suficientes para arder.
O livro teve outra existência,
pertenceu a outra casa, a outra mesa
de cabeceira – e o pensamento,
de tão óbvio, conjura de repente
uma vertigem, é um corredor
abrupto para a imensidão do mundo
onde trafica o acaso. Ah, sabemos
que a vida é improvável se damos
por nós a cismar, a meio de uma tarde


insípida, numa mulher desconhecida
que lia poemas em Scottsville, nos anos
70. Mas haverá aqui alguma espécie
de sentido, algum sinal guardado
para alguém mais sábio ou inocente
do que eu? Não sei quem és
nem onde estás agora, Shirley Ann,
mas como seria belo se pudesses
um dia encontrar, por obra da mesma
sorte, o teu nome nestes versos.

LONGE DA ALDEIA, 2005

sábado, 16 de janeiro de 2010

DREAM BROTHER MY KILLER MY LOVER - PINTURA DE GRAÇA MARTINS


DOIS POEMAS DE JOÃO BORGES

TRAVESSA DO CORONEL PACHECO


Da janela de guilhotina

vêem-se os telhados,

as varandas abertas

anunciam a casa perfeita

da família-modelo.

Do lado de cá, é

um quarto de pensão.

Sem artifícios, luz fraca,

pouca mobília.

Podia ficar a viver aqui.

A colcha enrodilhada da

cama quase guarda a

forma dos nossos corpos.

Algumas manchas de esperma

secam enquanto eu vagueio

nu pelo quarto. Lentamente

tudo se esquece que estivemos

aqui. As vozes das pessoas

lá em baixo

chegam em tempo real a esta morte.

Partiste para os teus

afazeres, mas eu demoro-me

um pouco mais. Demoro-me

sempre. O vento agita as

cortinas e gela-me.

Na varanda em frente,

uma menina corre provavelmente

para dizer à mãe que está

ali um homem nu.




O homem nu está morto.

E tu combinaste um encontro

para esta noite, neste quarto,

com o homem nu.



Talvez realmente nos encontremos

e de novo as tuas mãos

não se amedrontem ante o

frio da minha pele.

Um cheiro íntimo teu

nas pontas dos meus dedos

diz que já uma vez

não tiveste medo.



Vou sair. Vou percorrer

o Porto desconcentrado do nosso

potencial encontro. Amar a chuva

como se ama um rosto beijado

pela boca ardente,

sedenta de alegria viva.

Não quero que me relembres,

tu que aprecias um bom drama,

que amanhã logo de manhã

nos despedimos até mais ver.

Vou percorrer a cidade

fixo no infinito.

O teu corpo destruído por dentro

mas suave ao toque

não mais será que uma memória.

Vou percorrer a cidade

nu e morto. Serei feliz

e eterno. Porque ninguém nos rouba

a nudez nem a morte.



Afinal a carta

não veio.



As trevas tomavam

cada vez mais o coração.

As palavras eram parcas

e não poderiam

mudar nada do que

aconteceu.

A tristeza vem.



O tempo passará

sobre o sepulcro em que

deixámos cada beijo

de cada abraço.

A escuridão substitui

a dor.

E o abandono vem.



Ao sentar-me no café

relembro a última vez que

te vi. Foi aqui. O teu rosto alternava

entre a alegria de me reencontrar

e o abismo que a tua vida

sempre foi.

E a memória vem.



Eu olhava-te ainda

com o afecto confuso de sempre.

Que agora se mudou.

E o ódio vem.



O empregado entra com os

sacos do talho, carne crua

e ensanguentada, apertada

dentro do plástico como se

quisesse rompê-lo.

É um vislumbre tão nítido

do meu coração.

E a ameaça vem.



E neste café onde estivemos

a última vez antes do ódio,

a carne será confeccionada,

destruída.

E a morte vem.


MARIA GABRIELA LLANSOL - Abri a porta da casa de escrever...voz de João Barrento

Fragmentos dos cadernos inéditos de MARIA GABRIELA LLANSOL - lidos por João Barrento

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

BARBIES de ISABEL DE SÁ

DON'T SPEAK - DON'T WALK




13 DE JANEIRO DE 2010 - 35 ANOS DEPOIS - no mesmo PARQUE EDUARDO VII - Lisboa

A 1ªMANIFESTAÇÃO FEMINISTA -A SEGUIR AO 25 DE ABRIL E CRITICADA PELAS ORGANIZAÇÕES DE ESQUERDA DA ALTURA - DESDE OS MILITANTES DO PCP AOS MAOISTAS, TROTSKISTAS E OUTROS.
Para os ESQUERDISTAS - as FEMINISTAS eram um grupo de BURGUESAS. Os esquerdistas afirmavam que, numa sociedade SOCIALISTA - a igualdade entre homens e mulheres seria perfeita, não haveria lugar para a DISCRIMINAÇÃO, nem para a homossexualidade.
COMO ERAM LÍRICOS E INFANTIS. Agora são os grupos de esquerda que se manifestam por estes valores. ONDE ESTÁ A COERÊNCIA? Em todas as mulheres, que sempre lutaram pelo direito a ter VOZ, IDENTIDADE, e não TROCARAM de discurso. A DISCRIMINAÇÃO CONTINUA A EXISTIR E VAI CONTINUAR. O FEMINISMO está VIVO. A REALIDADE REVELA a DESIGUALDADE.
visitar o CIBERESCRITAS para mais informação sobre este acontecimento ÚNICO

35 Anos depois - Recordação da 1ª manifestação do MLM - A casa onde existia o andar da Maria Helena Barbosa (Milena) - na qual estive algumas vezes

EU ESTIVE LÁ - MLM - MOVIMENTO DE LIBERTAÇAO DAS MULHERES - FOI UM DIA INESQUECÍVEL- O MACHISMO DOS HOMENS INDIGNADOS COM A ATITUDE DAS MULHERES.

MORREU O CINEASTA ERIC ROHMER - MAIS UMA ESTRELA QUE SE APAGOU

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

BUSCAR CONSOLO NA CRUELDADE

Se todo o poema tem de ser cruel e se a poesia oferece consolo, talvez seja legítimo pensar que a crueldade nos consola. Ou talvez a crueldade esteja no exercício do esquecimento que todo o poema é. Ainda que a memória possa ser o magma, o esquecimento é o que resulta da manipulação do magma. Já dizia Ruy Belo, «esquecer é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra». E a paz está, precisamente, nessa antecipação. Morrer aos poucos em vida, para morrer em paz com a morte definitiva.

Postagem de HMBF editada na Antologia do Esquecimento

Desenho a lápis - Valores de claro / escuro - Fase dos pijamas - Anos 80 e 90 - Graça Martins









domingo, 10 de janeiro de 2010

40 CIDADES EUROPEIAS NESTE DOMINGO, NO METRO, SEM CALÇAS - A VIDA NÃO É TÃO IGUAL COMO ALGUNS PENSAM. QUEBRAR A ROTINA E RIR É SAUDÁVEL

O PRECONCEITO CONTINUA NO SÉCULO XXI E de que maneira ... É tudo tão lento, e o desejo não acerta o passo com as leis dos homens. FELIZMENTE
A paixão revela sempre sinais de rebeldia. Instala-se sem consultar o BI ou a diferença de sexos. - PERTURBA A INSTITUIÇÃO.
«O primeiro-ministro irlandês, Peter Robinson, foi ontem à televisão explicar-se pelo caso amoroso da sua mulher, Iris, com um rapaz 40 anos mais novo. A Sr. ª Rodrigues - Mrs. Robinson, se lhe quisermos cantar o nome - um jovenzinho com ... Dantes os líderes heróis sonhavam com (o general Patton Julgava-se uma reencarnação de Júlio César); agora os filmes líderes rebobinam. Quando Peter Robinson e a mulher se casaram, era um dos êxitos The Graduate, uma história de um jovem estudante (Dustin Hoffman, o que mostra que foi ao tempo) que vai para a cama com uma entradota Sr. ª Robinson. Bom filme e melhor ainda a música, um célebre Mrs. Robinson, de Simon & Garfunkel. (...) »[Diário de Notícias]

A FAMOSA CANÇÃO - Msr. ROBINSON - SIMON AND GARFUNKEL

THE GRADUATE - UM FILME INESQUECÍVEL - Dustin Offman e Anne Brancoft

FRENESI - ATENÇÃO LEITORES - NOVO ESPAÇO NA WEB

Estimados amigos, leitores e colegas de edição, o ano que agora se inicia traz, desde já, uma novidade seguinte: um FRENESI LOJA, Linha electrónica aberta às vossas compras de livros raros, antigos e modernos ... Livros que, por não se encontrarem nas mercearias livreiras que hoje abastecem o mercado, e não sendo em nada menos merecedores de atenção cultural, continuamos nós a procurar por feiras, leilões e em declínio bibliotecas, a fim de os tornarmos disponíveis a leitores Interessados. Trata-se de levar oxigénio ao Bicho do papel.Os preços ... Bom, os preços são o que são, determina-os o custo de cada busca e Respectivo valor de aquisição ... E não são, seguramente, exagerados se se tiver em conta o que se gasta em cervejas (e no resto ...) numa noite de Estroina! Dá para dizer: no intervalo da bebida cultivem-se!, Comecem já a vossa formar um biblioteca ideal.
Para ir recebendo a nossa montra de livros actualizada envie-nos o seu e-mail para um
frenesilivros@yahoo.com


Postagem de Paulo da Costa Domingos - Frenesi

sábado, 9 de janeiro de 2010

SANGRAMENTO - Joaquim Manuel Magalhães

(...)
Melhor seria que não me lessem nunca
os que por costume lêem poesia.
Muito além deles conseguir falar
ao que chega a casa e prefere o álcool,
a música de acaso, a sombra de alguém
com o silêncio das situações ajustadas.


Não ser lido por quem lê. Somente
pelos que procuram qualquer coisa
rugosa e rápida a caminho de uma revista
onde fotografaram todo o ludíbrio da felicidade.
Que um poema meu lhes pudesse entregar,
ademais da morte,
um alívio igual ao de atirar os sapatos
que tanto apertam os pés desencaminhados.


Mais do que tudo é isso que lhes quero
na confusão destas palavras atingidas
pelo contrário do que lhes entrego.
Pode até haver crianças, brinquedos espalhados,
o cheiro da comida, todas essas coisas de que fujo,
mas que me lessem sem pensar
na armadilha de palavras assim.


Alguém que me visitasse só
com o que ficou para trás nesse dia,
antes de pôr o vídeo com que vai tentar
esquecer o peso do princípio da noite,
as horas depois do emprego e do jantar,
antes do sono que tantas vezes é
um fechamento de desconsolo.


Estrelas cadentes, outras e outras
no dia? na noite tão curta? decepadas
e enaltecidas por entre o ladrar
de um cão que na distância
responde a outro cão.


ALTA NOITE EM ALTA FRAGA, Relógio D'Água, 2001

Simon and Garfunkel - Bridge Over Troubled Water

SWEET


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

ACERTAR O PASSO

O Parlamento aprovou hoje, com os votos do PS, BE, PCP e Verdes, o projecto de lei do governo que permitirá o casamento entre pessoas do mesmo sexo. As propostas do BE e dos Verdes, ambas prevendo a possibilidade de adopção por parte de casais homossexuais, foram chumbadas. Também chumbada foi a proposta do PSD de instituir uniões civis registadas. A petição popular, da PCC, visando um referendo, foi rejeitada.(...)

postagem do blog http://daliteratura.blogspot.com/


8 DE JANEIRO DE 2010 - A HISTÓRIA DE PORTUGAL A SAIR DO OBSCURANTISMO


O CASAMENTO GAY ACABA DE SER APROVADO COM MAIORIA NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA






terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Poema de LEWIS CARROLL

ACERTE OU ERRE
(Pares de premissas em busca de conclusões)

Nenhum careca necessita pente;
Nenhum lagarto tem cabelo.

Alfinetes não são ambiciosos;
Agulhas não são alfinetes.

Algumas ostras estão caladas;
Pessoas caladas não são divertidas.

Rãs não escrevem livros;
Algumas pessoas usam tinta para escrever livros.

Certas montanhas são intransponíveis;
Todos os estilos podem ser transponíveis.

Nenhuma lagosta é insensata;
Nenhuma pessoa sensata espera impossibilidades.

Nenhum fóssil pode ser em amor cruzado;
Uma ostra pode ser em amor cruzada.

Um homem prudente evita hienas;
Nenhum banqueiro é imprudente.

Nenhum sovina é altruísta;
Só os sovinas guardam cascas de ovo.

Nenhum militar escreve poesia;
Nenhum general é civil.

Todas as corujas são satisfatórias;
Certas desculpas são insatisfatórias.

Tradução: José Lino Grünewald

Projecto Alice de João Concha




Anna Mouglalis é protagonista de "Coco Chanel & Igor Stravinsky". Actriz assume a figura da lendária estilista na história dos seus amores pelo compositor.

PORTISHEAD -Requiem for ANNA

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O CINEMA DE FASSBINDER - QUERELLE - a partir do romance de JEAN GENET

QUERELLE

O CINEMA DE FASSBINDER - As Lágrimas Amargas de Petra von Kant


2010
ANO NOVO
VIDA NOVA
Acreditar que virá a Primavera e tudo será diferente. A paixão pela beleza, pelos cheiros, pelo ar que se respira.
VAI ACONTECER NOVAMENTE

A SENSUALIDADE DE SADE EM DUAS CANÇÕES FABULOSAS - Cherish the Day e Smooth Operator

SADE - Smooth Operator - DIAMOND LIFE LOVER BOY

Mário de Sá-Carneiro

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

QUANDO O CUPIDO NÃO ACERTA...




POEMA DE MARIA TERESA HORTA

Morrer de Amor

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
a pele do sorriso

Sufocar de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso.

SILÊNCIO...


QUE LINDOS CUPIDOS...




CUPIDO






OS LAMENTOS DA PAIXÃO NA MÚSICA ERUDITA OU LIGEIRA

OS LAMENTOS DA PAIXÃO NA MÚSICA ERUDITA OU LIGEIRA

Depois da minha postagem sobre as relações amorosas, QUE TERMINAM EM TRAGÉDIA, aqui ficam algumas músicas que aprecio e nos falam da ilusão da paixão e dos amores difíceis.
(...)
Como podemos nós definir a paixão? Qual a característica substancial que a torna reconhecível? Resultará de um simples ingrediente sexual desenfreado? Claro que não, porque existem paixões platónicas como os amores galantes dos trovadores, a Beatriz de Dante. Melhor será dizer que a essência do passional resulta do alheamento que ele próprio produz: o apaixonado sai de si próprio para se perder no outro ou, melhor dizendo, naquilo que imagina ser o outro. Porque a paixão, e este é o segundo traço fundamental que a caracteriza, é uma espécie de sonho que se deteriora no contacto com a realidade. Talvez seja por isso que, como terceira e necessária condição, a paixão parece exigir, quase sempre, a frustração, a impossibilidade de uma plena realização. (...)
O amor é representado em todas as culturas com os mesmos símbolos: arcos, flechas, olhos vendados, tochas a arder que inflamam os corações dos mortais. Normalmente é apresentado nu e com corpo de criança: porque é uma emoção que não se pode ocultar e porque permanece igual a si própria. A paixão nunca aprende: é sempre idêntica, eternamente jovem, intacta, irreflectida. «Mas como é possível que volte a fazer, nas mesmas ocasiões, as mesmas loucuras?», geme a razão, espantada, quando passamos horas à espera de um telefonema que nunca chega. «Será que não aprendo?» queixa-se o amante que sofre. E tem razão, porque o amor mantém-se impermeável à experiência.
Rosa Montero, Paixões, Editorial Presença, 2000

FARINELLI -LASCIA CHIO PIANGA MIA CRUDA SORTE - HANDEL

ANNE SOFIE VON OTTER - LASCIATEMI MORIRE - MONTEVERDI

CAETANO VELOSO - NÃO ENCHE

MAYSA - MEU MUDO CAIU