«And there's too much going on
But it's calm under the waves»
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Fragmento do romance "Paula" de ISABEL ALLENDE
« Quando o terror me paralisa, fecho os olhos e abandono-me com a sensação de mergulhar em águas revoltas, por entre os golpes furiosos das vagas. Por instantes que são na verdade eternos, julgo que estou a morrer, mas a pouco e pouco compreendo que continuo viva apesar de tudo (...) Deixo-me arrastar sem opor resistência e aos poucos o medo retrocede. (...) Choro sem soluçar, destroçada por dentro, como talvez chorem os animais. (...) Decidi não me aliviar com drogas; este é um caminho que devo percorrer a sangrar.»
domingo, 3 de julho de 2011
ALGERNON CHARLES SWINBURNE
ROSAMUNDA
(de Rosamond, 1860)
O medo é um coxim para os pés do amor,
De cores matizadas para o seu conforto,
Vermelho doce e branco exangue e azul
Muito como o das flores, e o verde casado ao Verão
E o doce púrpura namorado do mar e o negro calcinado.
Todas as formas coloridas do medo, agouro e mudança,
Profecias doentias e rumores coxos do calcanhar,
Presciências e astrologias,
Perigosas inscrições e notas registadas,
Todos estão cobertos pela falda do amor
Quando ele a sacode, ficam marcados dos seus dedos,
Batidos e soprados na face poeirenta do ar.
Os Pré-Rafaelitas, antologia poética, Assírio & Alvim, Lisboa, 2005
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Poema de ISABEL DE SÁ
MANHÃ DE AGOSTO
Nesta manhã de Agosto
encontrei o papel onde tinha escrito
a idade em que Blaise Cendrars
perdeu a mão direita
e fiquei a sentir a dor que me atormentava. Não tomei aspirina
nem esqueci a tua carta
de ontem, aquele momento
em que dizes eu querer
arrastar-te comigo "para esse universo
onde a vida é trocada por palavras".
Tenho lido os poetas
da minha geração. Conheço
o primeiro poema, aquele que inaugurou
a vida, também em mim.
Cansada de ir à praia, à piscina,
procuro livros, uma emoção linguística,
o verso desconhecido.
Guardei uma frase de Musil, na caixa
onde tenho os selos, um minúsculo relógio
que decidi não usar.
Não posso viver sem a música de Schubert,
ou aquela peça de Brahms - tudo isto
são palavras, a vida passa-se lá fora,
o Inverno há-de vir e não poderei
totalmente fugir ao desconforto.
Falava-se de As Túlipas
e começo a entender. Esta música,
estas palavras, a morte na dobra do lençol,
meu frio corpo na penumbra, no paraíso inicial
da anestesia. Perdida a razão no inferno
da dor, a cabeça irreal, meu poema
esquecido na margem do sono. A morfina,
as enfermeiras, tudo o que pudesse
polir o tormento.
E hoje acabei
por tomar aspirina, gastar o rosto,
permanecer em casa.
Repetir o Poema, Quasi Ediçoes, 2005
quinta-feira, 30 de junho de 2011
terça-feira, 28 de junho de 2011
Poema de António Gancho
PRISÃO
Tu tinhas uma nascença que era uma prisão
uma certeza de estar concreto e unido
com a matéria de pedra
Que era uma tua sedimentação de vida
uma tua construção de movimentos a sair das grades
Era rico em Sol o teu peito de grades
concreto e unido sedimentavas dias de espera
duma letra que te abrisse os instintos para
falares de nada.
Era uma certeza de tu estares unido como uma raiz de mesa própria
uma certeza de estares virado para um
nascente de inconcretidade material
tinhas uma mão de peça de artilharia
de disparares para fora o conteúdo dos dias com
raiz de mesa própria
Eras um sol a nascer-te no sítio da grade
onde se punham ramos de quinta-feira de campo.
Tinhas uma natureza de estares sentado
Sobre uma cadeira que era a tua
esperança de estares unido com a nascença do movimento.
Tinhas um cantarem-te os cabelos no dia de dentro
um ser-te uma mágica a fusão de
olhar com a dimensão de esperança fora.
Eras-te igual à matéria da tua animação de selva
íntima
igual ao cantar-te seródio o tempo de pendular
na cabeça
Conhecias uma esperança de cortares os cabelos com uma
navalha de vento
mas era tua inspiração de um modo interior de vida.
Criavas um espaço aberto na clareira duma grade
que era um espaço celeste a cobrir de grego o cimento
Tu tinhas uma invenção de disparares saúde de dias
por fora da mão
Tu tinhas uma sensação absoluta de estares aberto com o espaço
duma grade
tinhas um ser-te grave o olhar para fora do dia
inaugurado de verde
Que se te abrisse a letra
era desejo de teres fonemas no nada de uma mão aberta
sem um rogar de branco.
O sol aberto em sentido de alusão a uma palavra de ti
era nada de o poente estar no sentido inverso.
O Ar da Manhã, Assírio & Alvim, 1995, Lisboa
Tu tinhas uma nascença que era uma prisão
uma certeza de estar concreto e unido
com a matéria de pedra
Que era uma tua sedimentação de vida
uma tua construção de movimentos a sair das grades
Era rico em Sol o teu peito de grades
concreto e unido sedimentavas dias de espera
duma letra que te abrisse os instintos para
falares de nada.
Era uma certeza de tu estares unido como uma raiz de mesa própria
uma certeza de estares virado para um
nascente de inconcretidade material
tinhas uma mão de peça de artilharia
de disparares para fora o conteúdo dos dias com
raiz de mesa própria
Eras um sol a nascer-te no sítio da grade
onde se punham ramos de quinta-feira de campo.
Tinhas uma natureza de estares sentado
Sobre uma cadeira que era a tua
esperança de estares unido com a nascença do movimento.
Tinhas um cantarem-te os cabelos no dia de dentro
um ser-te uma mágica a fusão de
olhar com a dimensão de esperança fora.
Eras-te igual à matéria da tua animação de selva
íntima
igual ao cantar-te seródio o tempo de pendular
na cabeça
Conhecias uma esperança de cortares os cabelos com uma
navalha de vento
mas era tua inspiração de um modo interior de vida.
Criavas um espaço aberto na clareira duma grade
que era um espaço celeste a cobrir de grego o cimento
Tu tinhas uma invenção de disparares saúde de dias
por fora da mão
Tu tinhas uma sensação absoluta de estares aberto com o espaço
duma grade
tinhas um ser-te grave o olhar para fora do dia
inaugurado de verde
Que se te abrisse a letra
era desejo de teres fonemas no nada de uma mão aberta
sem um rogar de branco.
O sol aberto em sentido de alusão a uma palavra de ti
era nada de o poente estar no sentido inverso.
O Ar da Manhã, Assírio & Alvim, 1995, Lisboa
Poema de Fátima Maldonado
A URNA NO DESERTO
Já não páras ao som das laranjeiras,
o silvo da paixão amorteceu,
o lacerar dos grifos
agita devagar a romãzeira,
horizonte vivaz anoiteceu.
Ardem sevícias nos pálios das comédias,
ruem gonzos nos pátios das contritas,
repúdios acontecem em vésperas de concílios,
impedem-me os quebrantos nas rotinas,
fere-se a uva no copo de cristal,
o bago não ateia contusões
nem cega a fruta o gume do cilício
e vibra o pulso ao impelir a dança.
Círios amotinados não acendem,
o leito não acolhe favoritas.
À sombra da cintura a magnólia
urge pavões,
cisma na voz ausente desespero,
range areia no triângulo da pata.
O trípode da morte encosta-se à coluna
e o vento não abriga, da roseira, a urna no deserto.
A propósito de "estruturas"
"O perverso afectivo deixa a presa pela sombra, constituindo a sombra para ele a verdadeira presa"
C. David
domingo, 26 de junho de 2011
LILLIAS FRASER - HÉLIA CORREIA
Charles foi belo, ainda que por pouco tempo. O seu retrato, àquela época, permite-nos ver uma espécie de iluminação que afinal resultava simplesmente da sua pele de rapazinho quase imberbe. Falam do seu sucesso entre as mulheres. Mobilizou-as para a guerra, é certo, com os seus galanteios; mas também homens lhe cantavam a beleza, ao Bonnie Prince, o lindo príncipe, e isto não teve pouca importância na fatalidade. (...)
Durante o crescimento, há um instante em que o adolescente arruma as lendas que o foram educando na infância. E há depois o instante em que transpõe o portão sem regresso que o conduz para o terreno da maturidade. Entre esses dois momentos, fica o espaço em que tudo é vivido brutalmente, com uma intensidade que parece mais de ordem química que sentimental.
Relógio D'Água, 1ªedição 2001, 2ªedição 2002, Lisboa
Relógio D'Água, 1ªedição 2001, 2ªedição 2002, Lisboa
quinta-feira, 23 de junho de 2011
É PROIBIDO PENSAR - João dos Santos - Eu Agora Quero Ir-me Embora - Conversas com João Sousa Monteiro, Assírio & Alvim,, 1990
J.S.M. - Há uma coisa que me indigna na maneira civilizada de se viver a tristeza, que é a forma como se ensinam as crianças a negá-la.
Não é possível a uma criança ter respeito pela tristeza se tudo à sua volta a ensina a fazer precisamente o contrário. Mas não ter respeito pela tristeza, equivale, creio eu, a não ter respeito por uma parte fundamental de nós próprios. E exactamente o mesmo se poderia dizer acerca do silêncio.
J.S. - Estou de acordo. De facto a ideia do silêncio e da tristeza é longa a adquirir, e portanto longa a compreender também pela própria pessoa e pelos outros. Há provavelmente uma primeira etapa onde a criança se apercebe de que há coisas que devem ficar para nós, ou que se devem deixar ficar só com os outros, e há outras que são susceptíveis de ser comunicadas aos outros. Evidentemente que a criança vai descobrindo muitas formas de ultrapassar o problema, de o iludir, de o resolver mesmo. São os seus contos, as suas fantasias, as suas brincadeiras, os seus simulacros, com papel, com desenhos, com jogos e com histórias que conta e ouve contar, e a que acrescenta depois outras histórias, que permitem à criança expor de uma certa forma o conteúdo mais fundo e mais provável da sua própria angústia. Aliás, com os sonhos é a mesma coisa, e muitas vezes um sonho aparentemente banal envolve uma quantidade de problemas que ajudam a criança a resolver o seu problema fundamental. E um pesadelo, que parece não ter significado, é qualquer coisa que faz a criança ultrapassar, de uma forma importante, uma angústia sua. (...)
Página nº248 do Livro de Artista de Isabel de Sá
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Poema de Diogo Vaz Pinto
UM FIO SOLTO
Encontrá-lo aí mesmo, como se
pendurado no vazio. Desenredá-lo levemente
e puxar, procurando aquele ponto de tensão
sem, no entanto, o encontrar. Puxar mais e
mais, fervorosamente. Daí a nada
mais parece que é o fio que te puxa a ti.
E puxa, horrorizando-te, enquanto
imaginas que costura do teu mundo
agora se descose.
NERVO, AVERNO, 2011
Encontrá-lo aí mesmo, como se
pendurado no vazio. Desenredá-lo levemente
e puxar, procurando aquele ponto de tensão
sem, no entanto, o encontrar. Puxar mais e
mais, fervorosamente. Daí a nada
mais parece que é o fio que te puxa a ti.
E puxa, horrorizando-te, enquanto
imaginas que costura do teu mundo
agora se descose.
NERVO, AVERNO, 2011
segunda-feira, 20 de junho de 2011
SE VOLTASSEMOS A DANÇAR
Se a cabeça se lançasse
estilhaçada pelo espaço
sujando o céu.
Se ao sair de casa
aos tropeções pelas escadas,
não reparasse nas ruas
encardidas de todas
as formas de morrer.
Se eu tivesse o corpo
seco de ti.
Se voltássemos a dançar
na lenta vertigem do amor,
eu seria então a árvore
repleta de folhagem.
Se a cabeça se lançasse
estilhaçada pelo espaço
sujando o céu.
Se ao sair de casa
aos tropeções pelas escadas,
não reparasse nas ruas
encardidas de todas
as formas de morrer.
Se eu tivesse o corpo
seco de ti.
Se voltássemos a dançar
na lenta vertigem do amor,
eu seria então a árvore
repleta de folhagem.
EDITORS/YOU DON'T KNOW LOVE
Palavras ardem
entre mim e o papel.
Perguntam por que já não
fazes parte.
A cidade inteira abriu ruas
para me indicar um caminho.
Passeios encardidos de chiclets,
prédios em construção,
espaços escuros
onde cabem delírios
que a tua voz não desmente.
Estas palavras ardem
proliferam nas areias do deserto.
E eu sou
o caminhante, exilado
entregue às sombras
de um corpo só.
Palavras ardem
entre mim e o papel.
Perguntam por que já não
fazes parte.
A cidade inteira abriu ruas
para me indicar um caminho.
Passeios encardidos de chiclets,
prédios em construção,
espaços escuros
onde cabem delírios
que a tua voz não desmente.
Estas palavras ardem
proliferam nas areias do deserto.
E eu sou
o caminhante, exilado
entregue às sombras
de um corpo só.
sábado, 18 de junho de 2011
quinta-feira, 16 de junho de 2011
"E é a voz interior que se identifica com algumas vozes, com algumas palavras que se escutam não se sabe bem se dentro ou fora, pois escutam-se do interior. E sai-se também a escutá-las, sai-se de si. E entre dentro e fora o espírito inteiro fica suspenso como fica sempre em toda a identificação de algo que no coração pulsa e algo que existe objectivamente. É o terror supremo que ataca ao escutar como certo o que se teme. E o total esquecimento de si quando se escuta o que nem sequer se sabia estar a aguardar."
Maria Zambrano
Maria Zambrano
quarta-feira, 15 de junho de 2011
LONGA É A NOITE
Quando me vou embora
não sei. Peço-te
só um murmúrio
mostra-me o rosto
Quando me vou embora
a infância foge.
Aquela última vez
à procura do fim.
Peço-te
só um murmúrio
mostra-me o rosto
fala-me de suicídio
para que possa chorar.
Isabel de Sá
Subscrever:
Mensagens (Atom)