segunda-feira, 26 de abril de 2010
Poema de RUY BELO
NA MORTE DE MARILYN
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.
Ruy Belo
Transporte No Tempo
domingo, 25 de abril de 2010
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
O MEU TEMA PREFERIDO...
sábado, 24 de abril de 2010
SHAKESPEARE - Dia 29 - Quinta-Feira - CAFÉ PROGRESSO - 21.30H
So, to be or not to be... A tentação é grande de deixar recair o mistério, também nos sonetos que lhe são atribuídos: foi Shakespeare autor ou imitador duma obra imortal?
Ao jurar-me ela seu fiel amor,
palavra que acredito e sei que mente;
deve pensar-me um jovem sem tutor,
nos enganos do mundo inexperiente.
Assim, pensando em vão que me crê jovem,
saiba embora já fui melhor do que hoje,
as suas falas falsas me comovem
e a verdade de parte a parte foge.
Mas porque não dirá ser ela injusta?
Porque não digo minha idade avança?
No amor, idade e anos dizer custa
e é costume de amor fingir confiança.
Deitamo-nos, mentimos, mente, minto.
Mentir em culpa é-nos lisonja, sinto.
Além da leitura dos sonetos será encenado um texto-surpresa que põe em paralelo a avassaladora tragédia de Hamlet e a tragédia nossa de cada dia..., no próximo dia 29/4 às 21,30h no Café Progresso.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Palavras da escritora YVETTE CENTENO a propósito dos números de Verão e de Inverno da revista de poesia Brilho no Escuro - Edições Anjo da Guarda,
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Rui Pires Cabral - Oráculos de Cabeceira
Ninguém perde um livro
no comboio, ninguém o acha
inutilmente sublinhado
noutra terra, noutra cama.
Ninguém fuma na arcada
rente ao frio de Dezembro,
ninguém sangra no passeio
à mesma hora.
Ninguém parte de repente
à procura de mais mundo,
ninguém chega por acaso
ao seu nenhum sentido
olhando simplesmente
da varanda.
Oráculos de Cabeceira, Averno 027, 2009, Lisboa.
Capa e Ilustrações de Daniela Gomes
Composto e paginado por Inês Mateus
JUP - uma missão que se cumpre a cada edição
sexta-feira, 16 de abril de 2010
PAINEL 1
Fragmento de uma entrevista de CARLOS AMARAL DIAS
Acontece-lhe pensar que o inconsciente das pessoas é mais interessante do que o consciente?
Sempre. Obrigatoriamente. Interessa-me muito mais o não-dito do outro do que aquilo que ele diz. Conversas sobre o tempo definitivamente não me interessam.
Alguma vez consultou um psicanalista?
Fiz duas análises de personagem e fiz psicodrama durante 17 anos.
Disse que gostava de conseguir arranjar o seu inconsciente. Está sempre a psicanalisar-se?
Sim, claro. De manhã, quando faço a barba, analiso sempre os meus sonhos. Às vezes, acontece-me acordar a meio da noite, perceber o sonho, e de manhã lembrar-me do seu significado, mas não do sonho.
Vale a pena interpretar os sonhos?
Quando se tem uma mina de ouro, às vezes, abrimos pistas e não encontramos nada; mas há um dia em que pode valer a pena.
Carlos Amaral Dias, Farpas JN
quarta-feira, 14 de abril de 2010
terça-feira, 13 de abril de 2010
CAPA COMPOSTA POR DUAS TELAS PINTADAS A ÓLEO, NOS ANOS 70 DO SÉC.XX, POR ISABEL DE SÁ.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
CARLOS AMARAL DIAS ENTREVISTADO
Eu sou favorável. Há uma série de estudos, não são um nem dois, são muitos, sobre as crianças criadas por pais do mesmo sexo. Não se verificam alterações nas escalas de comportamento moral, no desempenho na escola, e não há um maior número de homossexuais.
Os dados científicos provam então que não há quaisquer malefícios para a criança.
Provam, e isso vale a pena ser dito. Eu não tenho nenhuma visão ideológica sobre o assunto. Tenho um ponto de vista objectivo: não há prejuízo para a criança. Este é um debate muito marcado pela ideologia e muito pouco pela ciência. E devia ser marcado pela ciência.
Quando fala na representatividade do masculino e do feminino - o próprio conceito do complexo de Édipo assenta na ideia de a criança perceber que o pai e a mãe são diferentes, identificar-se com um e desejar o outro -, como se processa num casal homossexual?
Da mesma forma que acontece numa criança que perde o pai ou a mãe. Há figuras substitutivas, quantas e quantas existem no quotidiano? O avô, a avó, o tio... Não têm que existir necessariamente em casa. Não há apenas o pai e a mãe, há muitos outros canais.
Essa posição é consensual dentro da classe?
Não. Devo estar numa posição minoritária. Mas nunca deixei que factor ideológico prevalecesse sobre o científico.
domingo, 11 de abril de 2010
WEEKEND
1º - Uma tarde a conversar com um adolescente
2º - Leitura de um livro de Daniel Sampaio ( Tudo o Que Temos Cá Dentro),Editorial Caminho, 2ªedição, 2000, Lisboa
3º- Alice no País das Maravilhas - Cinema
Falo destes três acontecimentos porque para mim há um fio que os une:
No 1ºponto , a dificuldade em acertar as ideias, o desvio constante, o medo, a insegurança, a mentira para o próprio (adolescente), e para o mundo.
E quem assiste a um discurso destes, relembra o seu com aquela idade. A hostilidade de uma sociedade reaccionária, fechada, apenas conduzida pelo discurso da Fé e pelo obscurantismo. A força e rebeldia que os adolescentes nessa época revelaram. Mas, agora, os adolescentes, com bastantes exigências resolvidas rejeitam lutar e culpam a escola, os professores, os colegas, dizem-se vitimas de bullying, tentam suicidar-se e alguns até conseguem. Mas que sociedade é esta? São adolescentes hedonistas? Demasiado frágeis? Por que razão? O bullying sempre existiu em todas as épocas. Todos fomos vitimas, de uma maneira ou de outra...
Estão sempre cansados? Só querem festas e fantasia, álcool e charros? E a família? Fala com eles, interessa-se por eles, sabe se alguns dos filhos são gays, se as filhas estão grávidas ou vivem algum desgosto de amor, uma paixão não correspondida? Ou só coloca dinheiro na conta para os levantamentos e não pergunta nada?
2ºponto – O Livro ( Tudo o Que Temos Cá Dentro) de Daniel Sampaio – Um livro interessantíssimo como, aliás, todos os livros deste psiquiatra. “A partir de um caso clínico real ( um jovem perturbado pelo suicídio daquela que ele nem pode definir como namorada, tão fugaz foi o relacionamento dos dois – do ponto de vista dele – e apesar disso, ou talvez por isso, tão intenso – do ponto de vista dela)”. A partir desta situação a perturbação do rapaz, que não consegue fazer o luto, desencadeia um estado depressivo, origina uma psicoterapia em que toda a família é envolvida, e descobre-se nessas sessões a incomunicabilidade da família, a mentira, a hipocrisia, a ocultação de factores que serão cruciais para o desenvolvimento do rapaz e para a sua libertação desse estado de sofrimento. Nada pior para um adolescente que a falta de diálogo, com a família, um professor, um amigo. As emoções desencadeadas no confronto com os outros, as diferenças de idade nesses confrontos são essenciais. Só assim a evolução natural e a segurança interior pode acontecer. Porque os mais velhos já estão neste mundo/sociedade, já venceram e conseguiram. Quando os adultos fogem do confronto com os jovens, não querem perceber ou disponibilizar-se para os ouvir, quando têm medo até de os contrariar, não estão a ajudar que um adolescente cresça. É mais fácil resolver tudo no Multibanco.
3ºponto – O Filme ( Alice no País das Maravilhas) de Tim Burton
O realizador dá continuidade à conhecida história de Lewis Carroll. Alice é agora uma rapariga que vai fazer 20 anos. Uma adolescente.
O mergulho de Alice não é apenas em direcção a um mundo de fantasia, mas também a um mundo negro, subterrâneo, em que as relações de poder definem os papeis, e os oprimidos sonham com a revolta. Alice embarca numa fantástica viagem para encontrar o seu verdadeiro destino, e acabar com o reino de terror da rainha vermelha. Alice é uma adolescente que coloca sempre no seu quotidiano a fantasia, Alice chegou depressa aos 20 anos e é obrigada pela família a tomar uma decisão, CASAR com um Lord de quem não gosta, enquanto tem uma cara bonita, porque senão fica para sempre uma tia velha, sem homem. Uma premissa deliciosa, que coloca questões sociais muito interessantes. Na frente da “traição”familiar e social, para Alice tomar uma decisão, já com festa de noivado, Alice foge e vai atrás de um coelho. A partir desse mergulho, Alice sofre emoções ambivalentes. Afinal o mundo da fantasia, o retardar o crescimento, as decisões, não é tarefa fácil. Acaba por ser obrigada a enfrentar um monstro para salvar a honra de um grupo de oprimidos, e ao fazer essa opção, vence o obstáculo (decapita o monstro), e prepara-se para enfrentar a família, regressando ao lugar onde tinha mergulhado. Um final fantástico em que Alice tem a coragem de recusar o casamento, e segue o seu destino como empresária numa viagem até ao Oriente. O mundo do trabalho espera Alice, e ela já não está insegura. Um final muito realista.
Ao longo da História, da Arte, sempre existiu este tema. É PRECISO PERDER O MEDO E ENFRENTAR A REALIDADE. CRESCER É NÃO TER MEDO. É TER UM PROJECTO DE VIDA E PERSEGUI-LO.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
GRAÇA MARTINS - Crónica sobre o Porto - JUP- 10 de Março de 2010 ( Jornal Universitário do Porto)
Nas minhas viagens a Lisboa, vivo com mais intensidade as diferenças gritantes entre o Porto e a Capital. Desde os três anos de idade que os meus pais vieram de Vila do Conde para o Porto. Nesta cidade frequentei a escola primária, o liceu Rainha Santa Isabel, a escola secundária e artística de Soares dos Reis e, por fim, a Faculdade de Belas Artes.
O prazer de passear na rua de Santa Catarina, frequentar o Café Majestic, as ruas 31 de Janeiro, Passos Manuel, Clérigos, a avenida dos Aliados, os cafés Piolho, ( Ancora de Ouro), Ceuta, Guarany, Brasileira e claro, as livrarias do Porto. A Leitura, a Latina, a Lello. Enfim, um mundo artístico de cafés, livrarias e galerias de arte. Foi na Galeria Alvarez, do recentemente falecido galerista Jaime Isidoro, que realizei as minhas primeiras exposições. Depois, na Cooperativa Árvore, espaço cultural de relevante importância para os artistas, dinamizada pelo escultor José Rodrigues. Mas os tempos são outros e eu também não pertenço ao grupo dos saudosistas.
O mundo é dinâmico, a vida avança e o futuro é transformação. Sou optimista por natureza e acredito no FUTURO do Porto. A cidade está bonita, mais arranjada. Respira-se uma atmosfera Europeia. No entanto, existe um forte obscurantismo. Lisboa revela fragilidades na área da recuperação, mas as pessoas que frequentam a cidade exibem um comportamento urbano e aspecto mais agradável. Relacionam-se com disponibilidade citadina, sabem apreciar os momentos do fim da tarde nas esplanadas. Há o espírito do lazer. No Porto as pessoas exprimem-se de forma agressiva, boçal. São desconfiadas. Sinto mais a diferença de classes no Porto. Mesmo nas zonas favorecidas, como a Foz, existe mendicidade. É como se o Porto do Camilo, da Agustina, do Eugénio, continuasse no século passado. Uma cidade medieval e romântica, com torres, mansardas, clarabóias, mirantes, a reflectir a sua luz multifacetada e projectada nas pesadas massas graníticas. Uma cidade de ruas estreitas e soturnas, povoada de jardins provincianos. Uma cidade enleada na prosa do Camilo. A tragédia, a sombra. Torturada por emoções enlameadas.
A BELEZA do Porto é um postal de “Recuerdo”. O Porto na sua neblina junto ao Douro e ao casario, nas aguarelas icónicas do pintor António Cruz. Essa luz única do entardecer que atinge os habitantes. E, claro, as gaivotas que sobrevoam a cidade, desesperadamente famintas. Talvez por isso o Porto seja um lugar de pintores e poetas. Afinal, a minha pintura é intimista e melancólica. Uma paleta de cores secundárias, tons quentes, por vezes trágicos, que atingem a representação das figuras na sua duplicidade, de verso e reverso.
(…)
« Descia a neblina
sobre os prédios, gaivotas
vinham da Foz. Um mendigo de barbas
atravessou a rua, despreocupadamente. »
Do poema DESCIA A NEBLINA de Isabel de Sá
Colectânea de Poesia sobre o Porto, publicações Dom Quixote, 2001
Graça Martins
Fevereiro de 2010
Poema de Isabel de Sá
O nosso amor arrasou cidades. Éramos
muito jovens e pensávamos assim.
O mundo pertencia-nos. Ninguém
percebia mas nós vivíamos contra
tudo - era um acto político.
Assim alguns seres no mundo
construíram vidas, amaram
e sofreram isolados, por vezes
espoliados, queimados na fogueira.
Mas o nosso amor resistirá
às fronteiras, aos muros de fogo
e à injustiça. Gostaríamos de viver
o tempo da verdadeira transformação,
da felicidade universal.
14 de Março de 1996
Repetir o Poema, Quasi, 2005, Décimo Terceiro Livro, Erosão de Sentimentos - 1994-1996