segunda-feira, 30 de maio de 2011
Fragmentos de poemas de RILKE a HOLDERLIN
Porque nós, quando sentimos, dispersamo-nos; ai! nós
exalamo-nos e dissipamo-nos; de incandescência em incandescência
vamos dando perfume mais fraco. E então diz-nos alguém:
sim, tu entras-me no sangue, este quarto, a primavera
enche-me de ti...De que vale, se não pode deter-nos,
e nela desaparecemos e em seu torno.
Só nós
passamos por tudo como uma troca aérea.
Holderlin, tradução de Paulo Quintela, editorial Inova, 1971
ode sáfica Unter den Alpen gesungen ( Z,I,183-184) de HOLDERLIN
(...)
Estar assim sózinho com os deuses com os deuses, e
Quando perpassa a luz e rio e vento e
O tempo corre p'ra o lugar, ter perante eles
Um olhar firme.
Nada mais feliz sei nem desejo, enquanto
A mim também, como ao salgueiro, a água
Me não leve, e eu tenha de ir, a bom recado,
A dormir nas ondas;
Mas gosta de ficar em casa quem no fiel
Peito conserva os deuses, e livre eu quero,
Enquanto puder, a todas vós, línguas do céu!
Explicar e cantar.
Tradução de Paulo Quintela, Editorial Inova, 2ºedição, 1971
domingo, 29 de maio de 2011
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Não é a nostalgia de um amor que nos faz enamorar, mas a convicção de não termos nada a perder
tornando-nos aquilo que somos; é a perspectiva do nada à nossa frente. Só então se constitui dentro de nós a disposição para o diverso e para o risco, aquela propensão de nos lançarmos no tudo ou nada, que os que estão de qualquer modo satisfeitos com o próprio ser não podem experimentar.
Francesco Alberoni
tornando-nos aquilo que somos; é a perspectiva do nada à nossa frente. Só então se constitui dentro de nós a disposição para o diverso e para o risco, aquela propensão de nos lançarmos no tudo ou nada, que os que estão de qualquer modo satisfeitos com o próprio ser não podem experimentar.
Francesco Alberoni
A propósito de ALIMENTO...
O alimento é o primeiro objecto de transição da criança, é ele que faz a ponte mãe-bebé, isto é, não é somente uma fonte de nutrição, pois estabelece e fortalece o vínculo de uma interacção compensatória de investimentos afectivos. Neste sentido, Loli (2000) e Woodman (2002) consideram que o acto de comer revela a busca de afecto maternal, comer compulsivamente tem o poder magnético, na medida que parece prometer a presença da Mãe Amorosa. Ou seja, de uma mãe que nunca chega e a sua falta transforma-se em mais volume. Em geral, o obeso padece de Alexitimia, termo de origem grega que significa: a = sem; lexis = palavra; thymos = afectividade. Para MacDougall ( 2000), ele não consegue expressar em palavras o seu estado afectivo, e não distingue um afecto do outro ou o dispersa em acção para aliviar a excitação afectiva que não suporta.
domingo, 22 de maio de 2011
sábado, 21 de maio de 2011
terça-feira, 17 de maio de 2011
Poema de MARIA TERESA HORTA
DESATINO
à Graça Martins
Ela mostra uma
folha?
Guarda uma alga?
Usa uma arma?
Descobre o seio
Encobre o seu destino.
Finge dormir
à beira-mar do sonho.
Morre de paixão
sem desatino.
(sobre um um quadro de Graça Martins,
"Feel no Pain")
Poemas de MARIA TERESA HORTA
NEM SÓ
Nem só do teu silêncio
direi raiva
nem de todo o meu corpo
direi vício
nem de todo o pénis
direi arma
e apenas do teu direi ter sido
Quando o vácuo é de
vingar
ou de vergar
cravando sobre os seios a sua enxada
Quando a minha boca se conjuga
no baixo do teu ventre
e tua espada...
nem de todo o desejo
direi verão
nem de todo o grito
a tua imagem
nem de toda a ausência
direi chão
e só de teus flancos
a viagem
Maria Teresa Horta
Educação Sentimental, Editorial A Comuna, Lisboa, 1975
O IMPOSSÍVEL
O impossível, a desatenção prestada
aquilo que é terror e eu não entendo
esse triste e vicioso pensamento
essa navalha aberta sobre o nada
O crime só existe se o invento
muito mais real que o imaginado
tornando a verdade no intento
sendo o intento já a raiva inesperada
Resguardou-se o sangue e a lâmina da faca
recolheu-se da vida simplesmente o nada
aquele meigo espaço que doendo
é já no peito a morte inesperada
Maria Teresa Horta
Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
O impossível, a desatenção prestada
aquilo que é terror e eu não entendo
esse triste e vicioso pensamento
essa navalha aberta sobre o nada
O crime só existe se o invento
muito mais real que o imaginado
tornando a verdade no intento
sendo o intento já a raiva inesperada
Resguardou-se o sangue e a lâmina da faca
recolheu-se da vida simplesmente o nada
aquele meigo espaço que doendo
é já no peito a morte inesperada
Maria Teresa Horta
Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
DO EXCESSO
Tu deslizas, tu moves
e tu escutas
tu lutas por escapar na tua rusga
Tu escusas de atentares
e de ficares
agachado no silêncio à minha escuta
Tu, doce ou agressivo,
tanto monta
Tu monte ou mar
tanto se usa
Se aí ficas preso
nesse esgar
a tentar entender a minha fuga
Tu partes e regressas
estás atento
a cada gesto feito à minha beira
Dispões o disponível
e não despes
senão o que tu queres e eu não queira
Tu escutas o escusado
e só no excesso
me encontrarás a beijar-te o corpo todo
Sou eu que ponho aquilo
que tu vestes
e disponho daquilo que tu escondes
Tu, rápido, exacto
e – por que não? – perdido
rasgado no meu peito o tempo todo
Irás descobrir-me
na paixão
Pois só aí eu sou
e aí me encontro
Maria Teresa Horta
Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
Tu deslizas, tu moves
e tu escutas
tu lutas por escapar na tua rusga
Tu escusas de atentares
e de ficares
agachado no silêncio à minha escuta
Tu, doce ou agressivo,
tanto monta
Tu monte ou mar
tanto se usa
Se aí ficas preso
nesse esgar
a tentar entender a minha fuga
Tu partes e regressas
estás atento
a cada gesto feito à minha beira
Dispões o disponível
e não despes
senão o que tu queres e eu não queira
Tu escutas o escusado
e só no excesso
me encontrarás a beijar-te o corpo todo
Sou eu que ponho aquilo
que tu vestes
e disponho daquilo que tu escondes
Tu, rápido, exacto
e – por que não? – perdido
rasgado no meu peito o tempo todo
Irás descobrir-me
na paixão
Pois só aí eu sou
e aí me encontro
Maria Teresa Horta
Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
A propósito do livro ADOECER de HÉLIA CORREIA
Publicado em Março (2010)passado pela Relógio D’Água, Adoecer, romance de Hélia Correia (n. 1949), mereceu uma excelente recepção crítica. Os elogios apontaram, sobretudo, uma escrita rigorosa e um esmerado trabalho de pesquisa documental. É este segundo elemento o que mais se impõe a quem leia o romance. Excelentemente escrito, cuidadosamente montado, pode por vezes sufocar o leitor menos preparado para a densidade informativa condensada ao longo de quase 300 páginas. Tendo como pano de fundo a Irmandade Pré-Rafaelita, grupo de artistas fundado em Inglaterra à entrada da segunda metade do séc. XIX, este livro não escapa a uma caracterização social da época, focalizada, mormente, nos aspectos morais que determinavam e definiam uma clara clivagem entre classes e géneros. Neste sentido, Adoecer pode também ser interpretado à luz do papel que as mulheres ocupavam na era vitoriana. Isto fica claro logo nas páginas iniciais ─ «Apenas uma espécie de mulheres, para além das rameiras, exibia a cabeleira solta» (p. 18) ─, sendo inúmeras as considerações que ao longo da narrativa nos enquadram o contexto que confere um certo grau de excepcionalidade à figura central desta história: Elizabeth Siddal (1829–1862), ou simplesmente Lizzie, «o modelo mais famoso dos Pré-Rafaelitas» (p. 20).
Trata-se, pois, de uma obra de ficção, como a autora fez questão de sublinhar numa nota final, que procura reconstruir uma situação autêntica tendo em conta os múltiplos aspectos que contribuem para essa reconstrução. Não se tratando de uma biografia de Elizabeth Siddal, este romance mantém um elo de verosimilhança com a verdade histórica que logra tornar mais fidedigna a reconstrução assim operada do que aquela eventualmente oferecida pela literatura de índole biográfica. Não deixa de ser sintomático que, a páginas 119, Hélia Correia reflicta sobre o assunto: «Os escritores de biografias redigem com os pulsos amarrados. (…) Não lidam com cadáveres mas com factos, os quais não sofrem decomposição. Empreendem esgotantes caminhadas e aqueles que têm asas não as usam. São gente dedicada ao pormenor, ao que pode observar-se e não ilude». Retirando os factos dos frascos onde a História os conserva, o romancista como que tem a capacidade de revivê-los. Não estará tão interessado em dissecá-los e reconstrui-los como poderá estar em dar-lhe uma nova vida, isto é, em deixar que os factos falem à imaginação. Dar uma nova vida aos factos é, neste caso, procurar revivê-los.Deste modo, é evidente a força simbólica que subjaz à organização dos dados. Adoecer começa com uma visita, em 2005, ao Highgate Cemetery, onde Elizabeth Siddal foi enterrada e desenterrada. De resto, há toda uma estética necrófila que não deixou Lizzie em paz com a vida e, pelos vistos, não a deixará em paz com a morte. “Eternamente moribunda”, Lizzie ficará para a história não propriamente enquanto poeta e pintora, mas como a modelo que se fundiu com o objecto da representação na Ophelia de Sir John Everett Millais (1829–1896). «Millais pintou aquilo que jamais tencionou pintar: o incitamento às emoções necrófilas» (p. 60) É um facto que Lizzie adoeceu durante as sessões. Não obstante, a aura de mistério que envolve toda a sua existência não deverá ser apagada por explicações tão lineares. Do surgimento dos Pré-Rafaelitas à Ophelia de Millais, pintada em 1852, daqui ao encontro com Dante Gabriel Rossetti (1828–1882), há toda uma história que merece ser contada sem intentos simplificadores. E essa história é não tanto a da biografia de Lizzie como aparenta ser a de uma “relação patológica” mantida com Dante Gabriel Rossetti, o nome maior da Irmandade. Ter adoecido confunde-se, aqui, com um encontro onde o amor andará de braço dado com o impulso da criação.Pautada pelo escândalo desde o início, a relação entre Dante Gabriel Rossetti e Elizabeth Siddal começa quando os dois vão viver juntos, à margem do que era moralmente aceitável no tempo vitoriano, para uma casa em Hampstead Heath. De raízes diversas, havia algo que os ligava intimamente. Ela odiava obrigações domésticas, ele não nutria qualquer respeito pelas convenções. Ligava-os o prazer de arriscar uma oportunidade de beleza. Hélia Correia pinta-nos esse risco. Para tal, chama à liça várias personagens que à época influenciavam ou se relacionavam directamente com o casal; desbrava o romantismo da intimidade, não esquecendo o reflexo que a relação produzia nos olhos dos outros. O retrato de Lizzie começa por ser o de uma mulher de feridas recalcadas, o de uma mulher que adoece perante a vida dúplice do marido, como se o seu encantamento adviesse daquilo que a matava: «Estava a adoecer com elegância, e o seu talento para a passividade construía uma imagem sedutora, a de alguém que se inclina para o chão, da folha que se deita para o Outono» (p. 105). No fundo, é o retrato de uma mulher/modelo impedida de se afirmar simplesmente enquanto mulher.Este adoecer não se compadece com os espartilhos das relações afectivas convencionais. Naquele tempo, para aqueles artistas, o amor e a morte confundiam-se, eram duas faces de uma mesma moeda. O revivalismo romântico conferia ao erotismo uma dimensão lúgubre. Lizzie encarnava essa morte ambulante que fascinava os artistas do meio onde se achou cativa. De certa forma, ela era em carne e osso o que Dante Gabriel Rossetti almejava em termos artísticos. E essa foi a sua cruz. «Gabriel não via Lizzie, via apenas a sua própria construção mental, uma figura de mulher inexistente» (p. 173). A impossibilidade de um amor verdadeiro, autêntico, que não estivesse (conta)minado pelas ambições artísticas, empurrou Lizzie Siddal para o ópio, como que numa ânsia de supressão da realidade ou fuga de si mesma. Quando Dante acordou, era demasiado tarde. ««Podia ter agido e não agi», lê-se num verso» (p. 243). O remorso e o sentimento de culpa tomaram conta dele, tentou remediar o arrependimento com o casamento, mas Lizzie já se havia transformado no fantasma que o perseguiu até ao fim da vida. Mais que um romance sobre artistas, este é um romance onde o amor se encontra com a morte sob o signo da beleza, onde a beleza e o amor se afirmam paradoxalmente pela sua aparente impossibilidade.
Escrito para o Rascunho.
A VERDADEIRA MORTE DE OPHELIA
Lizzie apontou para o láudano. Parecia ainda um desafio, mas não era. Estavam para além da medição de forças. Quando ela ameaçou que tomaria uma dose perigosa se ele saísse, Gabriel pegou no frasco e entregou-lho.«Toma-o todo», disse. E bateu com a porta.A mão da lenda entrava pela janela, rearrumando tudo como queria. Que Gabriel, dominado pela exasperação, dissesse aquela frase terminal não consta, é claro, dos escritos de família. Foi Oscar Wilde quem transportou esse rumor para dentro do tinteiro dos biógrafos. Porém, durante trinta e cinco anos, ele manteve-se vivo, preservado por pequenos murmúrios, até chegar à alma do irlandês. Fazia parte de uma história resistente, de uma história perfeita no seu mal. É essa a mesma história que nos conta que, ao voltar para casa, Gabriel deu com Lizzie encostada às almofadas, de olhos fechados. Respirava como quem se acha profundamente adormecido. Gabriel tentou, em vão, que ela acordasse. Ao tocar-lhe nos ombros, deparou com uma nota presa na camisa. «A minha vida é tão miserável que não a aguento mais», escrevera. No frasco que caíra aos pés da cama não restava uma gota de láudano.
http://universosdesfeitos-insonia.blogspotm/feeds/posts/default
Trata-se, pois, de uma obra de ficção, como a autora fez questão de sublinhar numa nota final, que procura reconstruir uma situação autêntica tendo em conta os múltiplos aspectos que contribuem para essa reconstrução. Não se tratando de uma biografia de Elizabeth Siddal, este romance mantém um elo de verosimilhança com a verdade histórica que logra tornar mais fidedigna a reconstrução assim operada do que aquela eventualmente oferecida pela literatura de índole biográfica. Não deixa de ser sintomático que, a páginas 119, Hélia Correia reflicta sobre o assunto: «Os escritores de biografias redigem com os pulsos amarrados. (…) Não lidam com cadáveres mas com factos, os quais não sofrem decomposição. Empreendem esgotantes caminhadas e aqueles que têm asas não as usam. São gente dedicada ao pormenor, ao que pode observar-se e não ilude». Retirando os factos dos frascos onde a História os conserva, o romancista como que tem a capacidade de revivê-los. Não estará tão interessado em dissecá-los e reconstrui-los como poderá estar em dar-lhe uma nova vida, isto é, em deixar que os factos falem à imaginação. Dar uma nova vida aos factos é, neste caso, procurar revivê-los.Deste modo, é evidente a força simbólica que subjaz à organização dos dados. Adoecer começa com uma visita, em 2005, ao Highgate Cemetery, onde Elizabeth Siddal foi enterrada e desenterrada. De resto, há toda uma estética necrófila que não deixou Lizzie em paz com a vida e, pelos vistos, não a deixará em paz com a morte. “Eternamente moribunda”, Lizzie ficará para a história não propriamente enquanto poeta e pintora, mas como a modelo que se fundiu com o objecto da representação na Ophelia de Sir John Everett Millais (1829–1896). «Millais pintou aquilo que jamais tencionou pintar: o incitamento às emoções necrófilas» (p. 60) É um facto que Lizzie adoeceu durante as sessões. Não obstante, a aura de mistério que envolve toda a sua existência não deverá ser apagada por explicações tão lineares. Do surgimento dos Pré-Rafaelitas à Ophelia de Millais, pintada em 1852, daqui ao encontro com Dante Gabriel Rossetti (1828–1882), há toda uma história que merece ser contada sem intentos simplificadores. E essa história é não tanto a da biografia de Lizzie como aparenta ser a de uma “relação patológica” mantida com Dante Gabriel Rossetti, o nome maior da Irmandade. Ter adoecido confunde-se, aqui, com um encontro onde o amor andará de braço dado com o impulso da criação.Pautada pelo escândalo desde o início, a relação entre Dante Gabriel Rossetti e Elizabeth Siddal começa quando os dois vão viver juntos, à margem do que era moralmente aceitável no tempo vitoriano, para uma casa em Hampstead Heath. De raízes diversas, havia algo que os ligava intimamente. Ela odiava obrigações domésticas, ele não nutria qualquer respeito pelas convenções. Ligava-os o prazer de arriscar uma oportunidade de beleza. Hélia Correia pinta-nos esse risco. Para tal, chama à liça várias personagens que à época influenciavam ou se relacionavam directamente com o casal; desbrava o romantismo da intimidade, não esquecendo o reflexo que a relação produzia nos olhos dos outros. O retrato de Lizzie começa por ser o de uma mulher de feridas recalcadas, o de uma mulher que adoece perante a vida dúplice do marido, como se o seu encantamento adviesse daquilo que a matava: «Estava a adoecer com elegância, e o seu talento para a passividade construía uma imagem sedutora, a de alguém que se inclina para o chão, da folha que se deita para o Outono» (p. 105). No fundo, é o retrato de uma mulher/modelo impedida de se afirmar simplesmente enquanto mulher.Este adoecer não se compadece com os espartilhos das relações afectivas convencionais. Naquele tempo, para aqueles artistas, o amor e a morte confundiam-se, eram duas faces de uma mesma moeda. O revivalismo romântico conferia ao erotismo uma dimensão lúgubre. Lizzie encarnava essa morte ambulante que fascinava os artistas do meio onde se achou cativa. De certa forma, ela era em carne e osso o que Dante Gabriel Rossetti almejava em termos artísticos. E essa foi a sua cruz. «Gabriel não via Lizzie, via apenas a sua própria construção mental, uma figura de mulher inexistente» (p. 173). A impossibilidade de um amor verdadeiro, autêntico, que não estivesse (conta)minado pelas ambições artísticas, empurrou Lizzie Siddal para o ópio, como que numa ânsia de supressão da realidade ou fuga de si mesma. Quando Dante acordou, era demasiado tarde. ««Podia ter agido e não agi», lê-se num verso» (p. 243). O remorso e o sentimento de culpa tomaram conta dele, tentou remediar o arrependimento com o casamento, mas Lizzie já se havia transformado no fantasma que o perseguiu até ao fim da vida. Mais que um romance sobre artistas, este é um romance onde o amor se encontra com a morte sob o signo da beleza, onde a beleza e o amor se afirmam paradoxalmente pela sua aparente impossibilidade.
Escrito para o Rascunho.
A VERDADEIRA MORTE DE OPHELIA
Lizzie apontou para o láudano. Parecia ainda um desafio, mas não era. Estavam para além da medição de forças. Quando ela ameaçou que tomaria uma dose perigosa se ele saísse, Gabriel pegou no frasco e entregou-lho.«Toma-o todo», disse. E bateu com a porta.A mão da lenda entrava pela janela, rearrumando tudo como queria. Que Gabriel, dominado pela exasperação, dissesse aquela frase terminal não consta, é claro, dos escritos de família. Foi Oscar Wilde quem transportou esse rumor para dentro do tinteiro dos biógrafos. Porém, durante trinta e cinco anos, ele manteve-se vivo, preservado por pequenos murmúrios, até chegar à alma do irlandês. Fazia parte de uma história resistente, de uma história perfeita no seu mal. É essa a mesma história que nos conta que, ao voltar para casa, Gabriel deu com Lizzie encostada às almofadas, de olhos fechados. Respirava como quem se acha profundamente adormecido. Gabriel tentou, em vão, que ela acordasse. Ao tocar-lhe nos ombros, deparou com uma nota presa na camisa. «A minha vida é tão miserável que não a aguento mais», escrevera. No frasco que caíra aos pés da cama não restava uma gota de láudano.
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domingo, 15 de maio de 2011
Soneto de KEATS - Poesia Romântica Inglesa
SONETO
Depois da bruma ter atravessado estas planícies
por uma triste, longa estação, ergue-se um dia
nascido no aprazível Sul, que vem purificar
o doentio céu de todos os estigmas.
O mês ansioso, livre do sofrimento,
mais uma vez se nutre das sensações de Maio,
e, frescas são as pálpebras como folhas
das rosas tocadas pelas chuvas de estio.
Calmos pensamentos nos cercam, como o florir
dos ramos...os frutos a amadurecer...o sol de Outono
sorria há pouco sobre as colheitas abandonadas...
a face delicada de Safo...o alegre respirar de uma
criança...
a areia de um instante que desliza serenamente...
um rio a atravessar o bosque...a morte de um poeta...
Editorial Inova, Prefácio, selecção, tradução e notas de Fernando Guimarães, Porto, 1977
sábado, 14 de maio de 2011
A CARTA DO TAROT - O ENFORCADO
Sempre me intrigou esta carta HANGED MAN. E agora, fiz uma investigação sobre o assunto e achei fascinante o significado. É uma situação emocional que me interessa desenvolver no próximo trabalho em curso na minha pintura A FINE DAY TO EXIT - HANGED MAN
O SIGNIFICADO DA CARTA
Um homem jovem, suspenso por um pé numa árvore em forma de T. A estrutura também poderá ser uma espécie de patíbulo, sugerindo um aviso. Os pés do homem estão amarrados com uma corda grossa e ele tem as mãos atadas nas costas. Os seus braços dobrados atrás das costas, formam, junto com a cabeça, um triângulo com o vértice voltado para cima; enquanto a sua perna direita cruzada atrás da perna esquerda, forma um triângulo com o vértice voltado para baixo. Ele está assim a olhar o céu, e parece existir numa condição antinatural, e que é contrária ao mundo.. Os seus olhos estão abertos e ele está plenamente consciente e ciente daquilo que o rodeia. No Enforcado vemos o momento de suspensão no qual a verdade e a compreensão são reveladas. O manto do segredo é removido. O eu interior é exposto. Embora o homem ainda esteja acorrentado à terra, ele já alcançou, a seu modo, uma certa medida de alívio através da suspensão e da transição da sua vida. O jovem oscila entre os momentos de decisão. Os eventos do passado são relembrados na calma presente, antes dos redemoinhos do futuro, que estão à espera logo à frente. No momento, a salvação está no arrependimento.Os opostos estão equilibrados no seu ser, e apesar da sua posição aparentemente desconfortável, ele está num estado de paz e serenidade, que se manifesta no halo em volta da sua cabeça.
Um homem jovem, suspenso por um pé numa árvore em forma de T. A estrutura também poderá ser uma espécie de patíbulo, sugerindo um aviso. Os pés do homem estão amarrados com uma corda grossa e ele tem as mãos atadas nas costas. Os seus braços dobrados atrás das costas, formam, junto com a cabeça, um triângulo com o vértice voltado para cima; enquanto a sua perna direita cruzada atrás da perna esquerda, forma um triângulo com o vértice voltado para baixo. Ele está assim a olhar o céu, e parece existir numa condição antinatural, e que é contrária ao mundo.. Os seus olhos estão abertos e ele está plenamente consciente e ciente daquilo que o rodeia. No Enforcado vemos o momento de suspensão no qual a verdade e a compreensão são reveladas. O manto do segredo é removido. O eu interior é exposto. Embora o homem ainda esteja acorrentado à terra, ele já alcançou, a seu modo, uma certa medida de alívio através da suspensão e da transição da sua vida. O jovem oscila entre os momentos de decisão. Os eventos do passado são relembrados na calma presente, antes dos redemoinhos do futuro, que estão à espera logo à frente. No momento, a salvação está no arrependimento.Os opostos estão equilibrados no seu ser, e apesar da sua posição aparentemente desconfortável, ele está num estado de paz e serenidade, que se manifesta no halo em volta da sua cabeça.
SIGNIFICADO DIVINATÓRIO
Vida em suspensão. Transição. Mudança.(reversão da mente e da maneira de viver. Num sentido passivo, a apatia e a inércia. Tédio. Abandono. Renúncia. As mudanças das forças da vida. Período de trégua entre acontecimentos significativos. Sacrifício. Arrependimento. Reajustamento. Terão que ser feitos esforços para que a pessoa possa rumar para um objetivo, que mesmo assim talvez não seja alcançado. Regeneração. Melhoria. Renascimento. Aproximação de novas forças de vida. Essa é a hora de a pessoa se condicionar para enfrentar novas experiências. Rendição. Falta de progresso. Uma pausa na vida. Fatores externos têm forte influência. Talvez se sacrifique demais e os seus sacrifícios não sejam apreciados.
Vida em suspensão. Transição. Mudança.(reversão da mente e da maneira de viver. Num sentido passivo, a apatia e a inércia. Tédio. Abandono. Renúncia. As mudanças das forças da vida. Período de trégua entre acontecimentos significativos. Sacrifício. Arrependimento. Reajustamento. Terão que ser feitos esforços para que a pessoa possa rumar para um objetivo, que mesmo assim talvez não seja alcançado. Regeneração. Melhoria. Renascimento. Aproximação de novas forças de vida. Essa é a hora de a pessoa se condicionar para enfrentar novas experiências. Rendição. Falta de progresso. Uma pausa na vida. Fatores externos têm forte influência. Talvez se sacrifique demais e os seus sacrifícios não sejam apreciados.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
A MUSA...
«Havia nela como que uma falha,que provinha da exaustão e da deficiência alimentar, dando-lhe um ar furtivo de gazela, que fez cair as apresentações. (...)
Jonh Everett Millais comprendeu a origem do fascínio de Miss Sid. Tinha um corpo selado na tragédia, um apetite sacrificial. "Hei-de pintar esta mulher", pensou. Imaginava-a num cenário de narcisos. Não sabia que estava a vê-la morta.»
Hélia Correia
ADOECER, Relógio D'Água Editores, Lisboa, 2010
Jonh Everett Millais comprendeu a origem do fascínio de Miss Sid. Tinha um corpo selado na tragédia, um apetite sacrificial. "Hei-de pintar esta mulher", pensou. Imaginava-a num cenário de narcisos. Não sabia que estava a vê-la morta.»
Hélia Correia
ADOECER, Relógio D'Água Editores, Lisboa, 2010
Fragmento do livro ADOECER de HÉLIA CORREIA, a propósito da Musa dos Pré-Rafaelitas ELIZABETH SIDDAL e inspiradora de OFÉLIA de JONH EVERETT MILLAIS
"Lizzie entrou na minha vida muito cedo, sem que eu a conhecesse pelo nome. Era Ofélia e , nos meus dezasseis anos, já eu amava a quantidade de poder que se disfarça numa morte erotizada. Parti pela mão dela para o texto, o que fez com que nunca usufruísse inteiramente de Hamlet. Fiquei sempre na margem do ribeiro e o fim não me deixava começar. O tempo da tragédia convergia com velocidade para aquela imagem e então parava, como a suicida. Lizzie Siddal flutua numa tela e Ofélia é sustentada à superfície sem que as águas deslizem, sem que o resto do que acontece ao afogado ocorra.
Assiste-se, na Tate Gallery, a essa suspensão da narrativa. As palavras de Shakespeare: «Não tardou muito que o seu vestido, tornando-se pesado com as águas que o iam embebendo, arrastasse aquele pobre despojo para a lodosa morte», não se cumprem. É certo que as pessoas têm pressa e se acumulam junto ao quadro, como quem gosta de confirmar uma atoarda. Mas, no momento da contemplação, um novo entendimento se estabelece: uma cerimónia, aquela intimação da arte, uma bolha que envolve o visitante e o pequeno quadro. Dois corpos chegam para o ocultar e há que sentar-se no banquinho em frente, pacientemente, à espera do momento em que o espaço se mostre de novo transponível.
É um momento humilde pois deixamos tudo aquilo que sabemos para trás, como à entrada já deixamos as mochilas.. Não vemos a perícia do pintor, nem a biografia do modelo, nem a massa poética de Shakespeare. O olhar dispensou o pensamento, soltou-se do devir. Podia comparar-se com o olhar de Deus, fora do tempo. Ou o do animal, que não projecta e que não sabe recordar. Mas o que temos neste olhar pertence ao humano, ao que só no humano paralisa e deixa perceber o mal da carne. Millais pintou aquilo que jamais tencionou pintar: o incitamento às emoções necrófilas.»
Relógio D'Água Editores, Lisboa, 2010
Poema de JOÃO BORGES
AS ROSAS DO DESERTO
Foi-nos fatal a descoberta do amor.
Talvez a força do encontro tenha
sido a primeira a destruir-nos.
Houve um tempo em que te falei
das rosas do deserto, sem saber
que seriam elas
a matar a escuridão.
Fomos antes do tempo.
Só isso agora nos perdoa.
Enfrentámos o corpo,
a perda alucinante da inocência.
Hoje conhecemos o isolamento.
Não sei como é a vida sem ti.
Não sei como é a vida.
AS SOMBRAS DE UM CORPO SÓ, Edição do autor, Lisboa, 2011
quarta-feira, 11 de maio de 2011
ADOECER
"O seu longo cabelo tinha a cor dos fugazes momentos do Outono em que a folhagem, pressentindo a morte, com todo o desespero agarra a luz. O famoso pescoço já então se desenhava como uma estrutura mais de decoração que de suporte. O seu sistema de reprodução adaptava-se àquele sangue débil e obrigado a subir até às faces, impulsionado pela timidez e pela contenção dos sentimentos. Tudo lhe acontecia devagar."
Hélia Correia
(a propósito de Elizabeth Siddal, a MUSA ruiva e inspiradora principal da irmandade Pré- Rafaelita)
Adoecer, Relógio D'Água, 2010
domingo, 8 de maio de 2011
sábado, 7 de maio de 2011
quinta-feira, 5 de maio de 2011
O MEU POETA PREFERIDO..
Estava ali por esse dia
Diante da janela, além
nos bancos de trás. Sorriu,
o ar ergueu-e em labirintos,
a tarde pousou-lhe na tez.
A cultura tornou-se um conflito
de desalento. No fim da aula
fomos tomar um café.
Diante dos outros tocava só
na sua chávena, no maço
dos cigarros, era o seu corpo
que eu queria atingir.
Não és real, eu não existo.
Raizes desertas do auriga.
De novo o perfume se sentava
sereno e moreno no lugar
ao meu lado do carro, ia
pela noite de verão até
à sua casa, crescia
para a porta por abrir.
E voltava-se e ria e pedia
um último beijo com as luzes
nos máximos para ninguém
nos ver. Os pés hesitam no
asfalto, as mãos remordem
a beira da janela.
Aí
olhava nos meus ombros
o peso do seu pior adeus.
Joaquim Manuel Magalhães
uma luz com um toldo vermelho, Editorial Presença, 1990
quarta-feira, 4 de maio de 2011
ALGUMAS PALAVRAS DO MEU POETA PREFERIDO
"Quando cheguei a casa, estendi-me
sem me despir e chorei, só por chorar."
"Às vezes sentimos que fecundámos alguém
com o contrário da vida."
"O erro é o esquecimento. Um dia
ficamos por completo entregues
à natureza. Igual ao pus da pedra.
Uma casa será esse vazio."
Joaquim Manuel Magalhães
domingo, 1 de maio de 2011
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