domingo, 29 de novembro de 2009
Poema de João Borges
UM
Há um lugar chamado medo
A cidade, ao longe o ruído.
Ficámos sózinhos, peças de xadrez
na mancha escura do silêncio,
de um lado para o outro,
à espera.
Não me disseram que o tempo passaria
e tu também. A morte repetida
como se fosse a primeira vez.
No longo e doloroso abraço,
o sabor amargo da vida
tornou-se lei
DOIS
O sangue risca as páginas,
dizes que não queres nada.
As tuas mãos, na pressa
de quem não tem tempo a perder,
tomaram-me conta do corpo.
Depois, atiraste as cinzas
para a rua. Perderam-se na chuva.
TRÊS
À hora em que a chuva
faz das estradas espelho
e a cidade se duplica,
dentro de ti encontro
o calor que me salva da morte
e me prende outra vez ao teu corpo.
QUATRO
Por vezes não sei dizer-te
que sou o ar e as paredes
da casa onde te refugias.
Arremessei a minha vida
num abraço queimado pelo medo.
Procuro um lugar onde o tempo
perdoe a solidão.
Esperei pela noite na alameda,
a tua casa atrás de mim,
sombra a crescer de rua em rua.
a sublimar o medo.
CINCO
Em vão procurei o sabor da terra
para não morrer.
O teu amor é ácido.
Destroçado, assim me deito
na madrugada cheia de luz.
Não te lembras do café quase vazio
e nós, no lado escuro da vida?
SEIS
Na memória apaga-se o teu rosto
e o coração engole o fogo
que me consome.
Se eu corresse pela praia
e a terra se movesse
e eu fosse sugado
para o interior da vida
no seu furioso silêncio,
finalmente só e íntegro,
encontrar-me-ia.
cràse, revista de literatura emergente, nº0
Novembro de 2009, Lisboa
Poema de Rosa Alice Branco
a Luís Miguel Nava
Para António Damásio estou debruçada à janela
do meu corpo. Posso contemplar os objectos da paisagem:
coração, pulmões, intestinos, músculos.
As vísceras são o meu cenário como um poema
de Nava e há sentimentos que me unem a cada uma
e a todas elas quando uma dor explode nas entranhas,
mas para Damásio sou apenas um espectador solidário
do outro lado do vidro. Nava sabia como um cenário
se despedaça entre as rochas, como a pele é a raíz
e a flor do sofrimento.
Desde a descoberta da perspectiva que estamos à janela
com um olho bovinamente parado. Dizem-me agora
que contemplamos um pátio interior, um rim? Não sentem
que o desespero tem uma face oculta para o sentirmos
e outra iluminada por um sol afundado no manto
dos intestinos? O cérebro de Damásio continua cativo
do teatro do seu corpo e eu devia ter metido citações.
Aprendi muito com ele, mas foi Nava quem me disse
que todos os caminhos vão dar à pele.
Soletrar o dia, obra poética, Quasi Edições, 2002
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
BRILHO NO ESCURO - Nº3 - Inverno
da revista de poesia BRILHO NO ESCURO
edição de 100 exemplares
5 DE DEZEMBRO - Maus Hábitos - Porto
SÁBADO - 22.30h. Entrada Livre
LEITURA DE POEMAS
Ana Luísa Amaral e ISAQUE FERREIRA
Neste número de poemas
Ana Luisa Amaral
Isabel de Sá
João Borges
José Luís Peixoto
Manuel de Freitas
Nuno Brito
Locais de venda exclusiva
Porto
Poetria - Rua das Oliveiras (perto da Praça Carlos Alberto)
Gato Vadio - Rua do Rosário (perto da Rua de Miguel Bombarda)
Lisboa
Frenesi da Banca - Rua Anchieta (perto do café A Brasileira)
Poesia Incompleta - Rua Cecílio de Sousa, nº11 (a seguir ao Príncipe Real)
http://brilhonoescuropoesia.blogspot.com/
CRÀSE nº0 - revista de literatura emergente - Lançamento previsto até final de 2009
Neste número 0 - poemas de João Borges e Nuno Brito além de outros autores emergentes
http://www.craseliteraria.blogspot.com/
terça-feira, 24 de novembro de 2009
domingo, 22 de novembro de 2009
Eduarda Chiote
Entrevista - Eduarda Chiote ou a Literatura como um Acto de Autopunição
http://isabeldesaescritora.blogspot.com/
sábado, 21 de novembro de 2009
POEMAS DE SAFO
longamente te invoquei na minha solidão:
ajuda-me, déspota, que estou perdida;
a morte não chega e nada me consola.
Quero morrer, quero ver as orvalhadas
flores de loto nas margens do Aqueronte...
...porque a quem fiz tanto bem,
sobretudo esses me fizeram mal.
Nem eu sei que fazer: o pensamento dividido.
Vieste finalmente. Eu não podia mais.
Ao meu coração ardido o desejo voltou.
Abençoada sejas muitas vezes, tantas
quantos os dias que nos separaram.
Se ela te foge, seguir-te-á não tarda;
se o que lhe dás recusa, em breve será ela
a dar; se te não ama, sem saber como,
virá a amar-te.»
Oh vem, vem agora e liberta-me desta
angústia mortal! O que meu coração
tanto deseja, faz que aconteça. Vem,
ajuda-me a lutar!
Deixa-te estar de pé e face a face amigo,
desvenda a tua graça aos nossos olhos.
Quando o sono de uma noite inteira
cai sobre os olhos...
Ah, pudesses tu dormir
nos braços da mais terna amiga...
...porque o pranto na casa de um poeta
não é permitido, nem isso convém.
Safo
Poemas e Fragmentos de Safo, tradução de Eugénio de Andrade, limiar, 1974
APOLO - DEUS DOS JOVENS RAPAZES
A partir do século III também foi identificado com Hélios, deus do sol, pois era antes o deus da luz, e por paralelismo a sua irmã foi identificada com Diana, a deusa da lua/deusa da caça. Mais tarde ainda, foi conhecido principalmente como uma divindade solar.
Recebendo de Hermes a lira, firmou a sua posição como o deus da Música. Finalmente, Apolo é o deus dos jovens rapazes, ajudando na transição para a idade adulta, sendo os rapazes que o acompanhavam "alunos" do deus na prática da pederastia. Assim, ele é sempre representado como um jovem, frequentemente nu, para simbolizar a pureza e a perfeição.
Apolo representa a harmonia, a moderação, a ordem e a razão, em contraste complementar a Dionísio, o deus do êxtase e da desordem.
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
À HORA DO ALMOÇO, ENQUANTO TOMAVA CAFÉ E LIA UM JORNAL DIÁRIO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE INVEJA E GRATIDÃO - MELANIE KLEIN
Melanie Klein (1882-1960), uma psicanalista que trabalhou com crianças através da técnica dos brinquedos, explorando o inconsciente.
Melaine Klein começou a trabalhar com a psicanálise infantil na década de 20, lançando uma nova luz sobre o seu desenvolvimento.
Freud relatava que todos os problemas se originam na infância, mas a psicanalista Melanie Klein, sua aluna e discípula, foi a primeira a realizar, estudos com crianças.
Ela desenvolveu a técnica de brincar, inspirada nas observações de Freud sobre o brincar da criança com carrinhos.
Melanie percebeu que isso representava simbolicamente as ansiedades e fantasias infantis. Assim, tratou os seus pequenos pacientes na sala de recreio, e foi lá que descobriu o caminho para o inconsciente da criança.
Austríaca, mas famosa como psicanalista britânica, Klein exerceu a sua profissão em Londres e até hoje os seus trabalhos permanecem actuais e fundamentais nos diagnósticos e tratamentos tanto para crianças como para adultos.
Em janeiro de 1929, começou a tratar de uma criança autista de quatro anos, filho de um dos seus colegas da BPS, à qual deu o nome de Dick. Logo percebeu que ele apresentava sintomas que ela nunca havia encontrado. Não expressava nenhuma emoção, nenhum apego, e não se interessava pelos brinquedos. Para entrar em contacto com ele, colocou dois comboios lado a lado e designou o maior como “comboio pai” e o menor como “comboio Dick”. Dick fez o comboio com o seu nome andar e disse a Melanie: “Corta!”. Ela desengatou o vagão de carvão e o menino guardou então o brinquedo quebrado numa gaveta, exclamando : “Acabou!”.
A história desse caso tornar-se-ia célebre, por mostrar como alguns psicanalistas não conseguem dar aos filhos o amor que esperam deles.
Dick continuou a análise com Melanie Klein até 1946, com uma interrupção durante a Segunda Guerra Mundial.
Quando Phyllis Grosskurth se encontrou com ela, então com cerca de 50 anos, não tinha mais nada a ver com o menino fechado de outrora. Era até francamente tagarela.
Em 1995, Melanie Klein, que nada perdera do seu dinamismo e da sua agressividade, interveio de maneira esmagadora no Congresso da IPA em Genebra, apresentando uma comunicação intitulada “Um estudo sobre a inveja e a gratidão”, na qual desenvolvia o conceito de inveja, que articulava com uma extensão da pulsão de morte, à qual dava um fundamento constitucional. Ao fazer isso, reatava com aquele que sempre considerara o seu mestre, Karl Abraham.
Diferentemente de Ana Freud, Melanie Klein considerava o brincar como um material susceptível de interpretação no quadro da situação transferencial. As brincadeiras eram a seu ver equivalentes às fantasias, dando acesso à sexualidade infantil e à agressividade: em torno delas podia instaurar-se uma relação transferencial e contra-trasferencial entre a criança e o analista.
Melanie Klein conferiu lugar capital à pulsão de morte, conceito que no entanto estava longe de gozar de unanimidade no seio do mundo psicanalítico. Radicalizando a posição de Freud, fez da angústia a consequência directa da acção da pulsão de morte no seio do organismo. Essas considerações estavam também presentes na sua concepção das fases ou posições por que a criança passava: a posição esquizo-paranóide, que traduziria o modo de relação dos quatro primeiros meses da existência, seria caracterizada por uma união entre as pulsões sexuais e as pulsões agressivas, por um objecto vivido como parcial e clivado em “bom” (gratificante) e “mau” (frustrante). “Na posição paranóide-esquizóide” , escreve Hana Segal, “a angústia dominante provém do temor de que o objecto ou os objectos persecutórios penetrem no eu, esmagando ou aniquilando o objecto ideal e o “self”. Dois mecanismos psíquicos seriam dominantes nessa fase: a introjecção e a projecção. Instalando-se por volta dos quatro meses, a posição depressiva dá lugar à posição paranóide, sendo por sua vez superada por volta do final do primeiro ano. O objecto já não é parcial, podendo ser apreendido pela criança como total, a clivagem “bom”-“mau” já não é tão categórica como outrora, a angústia é de natureza depressiva e está ligada ao temor de perder e de destruir a mãe. Em face de suas angústias, a criança desenvolve vários tipos de defesa e de actividades reparadoras, que constituem a primeira fonte da criatividade e da sublimação. A posição esquizo-paranóide e a posição depressiva voltam a estar presentes posteriormente na vida, em especial no adulto acometido de paranóia, de esquizofrenia ou de estados depressivos.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
THREE ILLUSIONS -PEDRO AYRES MAGALHÃES
A perfect and good feeling
Once lived in me
There's never been such a love
But the end
Arrived
The wind did a strange favor
The wind that time forgot
So come from faraway to listen
Because I Il'be singing high
Oh yes, I've already seen
Wat my Fate wil be
GUILT
-Oh Guilt, I don't want you to follow me!
-Swear, you'Il allow me to decide!
-Do you accept or not, that it is never too late.
-Do you accept or not that I will come back?
Perhaps, perhaps
tomorrow is going to bring me more, but I don't know,
perhaps, slowly,
I will return to the sorrow, I've just left.
BITTERNESS
Bitterness, relaxed and sad
-Does it seem that I'm distant or in fear?
It's almost certain
That nothing exist:
Nothing is close to me.
Neither am I sad.
Dois poemas de MANUEL DE FREITAS - Os Infernos Artificiais - frenesi, 2001
«Home is so sad.»
Philip Larkin
Amanhece, como um parto inútil e reticente.
Suponhamos que estou vivo, na casa
tão branca e vazia, com este corpo em trespasse
-quase meu. O irritante chlireio dos pássaros
poderia ter um encanto anacrónico, se acaso o tivesse.
Mas mesmo ele será daqui a pouco sufocado
pelo ruído do primeiro avião
que passará rasante vindo de longes terras
onde se é mais feliz por delegação.
Saúdo a manhã como quem dispensava vê-la,
copo de whisky barato na mão
para tentar tornar menos barata
a literatura vã que daqui possa sair.
A pouco e pouco, o flagelo da luz
conquista a casa e reaparecem
os nomes dos livros, os cinzeiros cheios,
a mágoa insuportavelmente banal
de mais um dia que começa e que não será
talvez o último - embora estatísticas
várias comprovem que a morte existe
(são poucos é os que se apercebem disso).
A noite passou, sem sono nem alegria.
E eu esqueci-me de lavar a louça
e de encontrar um sentido para a vida
(truque poético bastante conhecido).
O amor não bateu à porta com as suas mãos
frágeis e desonestas, nenhum amigo
- desses que não tenho - quis ludibriar
a sua solidão bebendo um copo comigo.
Limitei-me a folhear alguns livros,
com o cansaço prévio de saber
que os vou ler. Pus em dia a correspondência
cada vez mais escassa, ofício de afectos
fingidos, calculados silêncios, fórmulas
feitas. E ouvi música desolada, que
é a parte de Deus que melhor conheço.
Fiz não o que pude, mas aquilo
que me permitiu o fluente nada dos gestos.
A claridade é agora fulminante e eu
não tive nenhum êxtase místico,
coisa tão decorativa em esgares, não
deparei com nenhum programa social
que me parecesse exequível, não
aderi a qualquer crença política
para enfim conhecer Bruxelas.
Não me lembrei de nada que valesse a pena.
Fiquei em casa sozinho, no renovado
esforço de não reparar em como
é fétido tudo. E embebedei-me,
como sempre faço quando me sinto
sentir (o que por azar é frequente).
Não fechei as janelas, deixei a luz corromper-me.
Há talvez uma harmonia bizarra
no modo como o pó assenta nos móveis,
uma razão insondável para as nuvens
que conspurcam o vazio céu,
um motivo confrangedor para eu respirar
ainda, sem jeito para a morte.
Não sei. Vivi mais um dia, inglório
como os que já foram, fútil como os que virão.
Acariciei o vazio com mãos de seda quebradas
e não me queixei nem sorri
(de resto, porque haveria de o fazer?).
Outro avião passou, trazendo ou levando
pessoas que é suposto terem alma,
essa indefinível e funesta coisa
sem a qual este poema desabaria
antes mesmo de se ter começado. Pouco
se perderia, aliás, pois não é nas palavras
que o que se perde regressa alguma vez.
Sucessivos malogros, interstícios vagos
do que nunca poderá ser
ou se dissipou em remorso e ausência.
A vista sobre Monsanto é agora quase bela,
mas não me lembro de ter sido feliz
(há ainda obscenidades que desconheço).
O sol passeia-se sobre todos os telhados
que daqui se lobrigam e eu perscruto atento
a dor que há nisso e em tudo.
Não dormi, estou até demasiado desperto,
a olhar para mim sem me ver. é curioso,
ou chega quase a sê-lo: são precisos
mais de vinte cigarros e uma garrafa inteira
de whisky para escrever um poema
que de sublime terá a intenção - ou nem isso.
A morte pode esperar,
hei-de estar lá a horas, finalmente anónimo,
capaz de desfrutar a mais ampla morada,
a mais verdadeira e total.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
EMILLY DICKINSON
DOMINGO
as a tribute to J. M. M.
A água que ferve na chaleira
é um modo de vencer
a tentação, a tristeza, os licores.
É um modo diferente de perder
quando essas pequenas coisas
nos conseguem dizer que
nem o pecado deveras existe.
Mas uma tarde de domingo
será sempre uma tarde
de domingo, anedota fatídica
e insolúvel a descoser
as bainhas do tédio. Convoco
cigarros e mentiras fáceis
para não ter pena desta vida
que só por acaso é a minha.
E nisto amarelece a cidade,
o silêncio proletário
dos autocarros vazios que oficialmente
circulam pelo cancro das avenidas.
E os suplementos de semanários,
no lume estéril dos empedrados
pisados por namorados
que se chupam e que se apalpam,
com pressa de envelhecer e vocação
p'ra parir. É uma estória sem estória,
um desespero parado à procura de personagens
ou de uma razão que lhe baste.
Tudo o que da cinza já nada ficou.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
NESTE PAÍS DE POETAS
Mesmo ao lado, situa-se o prédio onde durante décadas existiu "O Botequim" da Natália Correia (abriu em 1971 e dele faziam parte, além da Natália, Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta). A vida literária aconteceu nesse lugar , actualmente ao abandono.Os poetas que por lá passaram, as conversas políticas que revolucionaram o país, a figura incontornável da escritora Natália Correia. Então, inauguram o Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen. Tem sentido?
Também aprecio a Sophia, mas não podia ter sido noutro Miradouro? As duas foram mulheres extraordinárias, mas a coragem de uma Natália, o percurso da sua vida, o seu discurso avançado para a época, merecia outra atenção. NÃO É JUSTO.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
TISANAS - ANA HATHERLY
domingo, 8 de novembro de 2009
A QUEDA DO MURO DE BERLIM
POEMA DE JUAN LUIS PANERO
Recorda-os,
antes que o álcool os leve
ou a memória os maquilhe e confunda,
antes que sejam sonhos esquecidos,
as marcas de uma pele noutra pele apagadas.
Recorda-os,
além da bruma e da noite,
sob as luzes de néon fantasmagóricas,
diante das vias de metal silencioso,
sem comboios, sem despedidas nem destino.
Recorda-os,
porque não te esperavam,
e nada te pediam, nem tu a eles também,
porque tudo era inútil, absurdo e desoportuno,
derrotada ternura e sombra da tua vida.
Recorda-os,
e beija outra vez aqueles lábios,
a sua alagada respiração, a língua surpreendida,
a sua frágil matéria húmida,
aqueles lábios que a tua boca imagina.
Recorda-os
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, 2003