
sábado, 31 de janeiro de 2009
(....)
A FENDA ABERTA
Fevereiro de 1936
Claro está que a vida é, toda ela, um acto de demolição, mas o estrago que os lados dramáticos do trabalho fazem - os grandes e súbitos impulsos que chegam, ou parecem chegar, de fora - os que ficam de memória e achamos responsáveis pelas coisas e em momentos de fraqueza contamos aos amigos, não produzem logo de seguida efeito. E estragos há de outra espécie, chegados de dentro - que apenas sentimos tarde de mais para terem remédio, seja ele qual for, e só notamos em definitivo quando já deixámos de ser, de certo modo, o que éramos. A primeira destas rupturas, digamos assim, parece rápida - mas a segunda vai-se dando quase sem ser notada para tomarmos depois e repentinamente, consciência dela.
Realizador: David Fincher
Com: Brad Pitt, Cate Blanchett, Tilda Swinton, Taraji P. Henson, Jason Flemyng, Julia Ormond
Drama, Fantasia, Romance 2008
What if I told you that instead of gettin’ older, I was gettin’ younger than everybody else?
David Fincher já nos habituou a um tipo de cinema memorável, com características próprias e pernas para andar durante muitos anos sem perder a consistência e a magia, como Seven (1995) ou Zodiac (2007). Mas nenhum dos seus filmes se pode comparar a esta história fantástica e bizarra de um homem que vê a vida e o tempo passar ao contrário, argumento escrito por Eri Roth. Baseado num conto de F. Scott Fitzgerald, datado de 1921, O Estranho Caso de Benjamin Button segue a vida de um homem, Benjamin, que nasce velho e começa a rejuvenescer à medida que cresce, ao contrário de todas as outras pessoas. Em 1918, abandonado à nascença pelo pai, é encontrado por uma mulher que o recebe de braços abertos no seio de um lar de terceira idade. Benjamin atravessa uma infância difícil para um homem de cerca de oitenta anos: cresce junto a pessoas idosas, aparentemente iguais a si próprio, e apaixona-se por Daisy, a única criança que é capaz de o ver para além da velhice aparente. À medida que vai crescendo, Benjamin conhece pessoas e perde outras, começa a ficar mais novo e a trabalhar no alto-mar. Passa pela Rússia, onde conhece Elizabeth, o seu primeiro amor, e regressa mais tarde a Nova Orleães para reencontrar Daisy, já uma mulher e bailarina profissional. Acabam por se encontrar a meio, quando têm aparentemente a mesma idade, e vivem um romance que poderia durar para sempre, não fossem as leis da natureza e o estranho caso de Benjamin. Acompanhamos esta história a partir de um diário de Benjamin que Caroline, filha de Daisy, lê à mãe já no século XXI, no dia em que o furacão Katrina destrói Nova Orleães; e da narração do próprio personagem ao longo de todo o filme.
Benjamin Button atravessa a Segunda Guerra Mundial, a ascensão dos Beatles, o início da vida cosmopolita de Nova Iorque, cada vez mais novo mas também mais experiente. Conhece a vida ao contrário, começando por experimentar a velhice a acabando a experimentar ser criança. Brad Pitt interpreta este homem diferente que tem de enfrentar uma vida invulgar, surpreendente enquanto idoso, e encantador e inocente enquanto jovem. Partilha o ecrã com Cate Blanchett no papel de Daisy, numa interpretação segura e profunda. Juntos, protagonizam os momentos mais belos do filme, encontrando uma química que não tinha sido conseguida em Babel (2006). Vivem um amor possível durante aqueles escassos anos em que têm a mesma idade, mas impossível a partir do momento em que ela começa a envelhecer muito e ele a rejuvenescer muito. Por isso, queriam recordar-se um do outro como estavam naquele momento exacto, que talvez tenha sido a única coisa que durou para sempre, através da sua filha Caroline.
A melhor sequência do filme é encontrada na narração de Benjamin do acidente de Daisy, que acabou com a sua carreira de bailarina. Fincher foi buscar uma cadeia de acontecimentos que levaram à ocorrência daquele acidente, na qual se um desses factos se tivesse processado de forma diferente, talvez Daisy não tivesse sido atropelada. De forma genial, entramos na dinâmica do filme e somos absorvidos pelas cores quentes que transmitem a antiguidade da história e pelas belas e tranquilas paisagens que caracterizam as épocas retratadas. De realçar ainda a fantástica caracterização, tanto de Pitt como de Blanchett, que lhes permitiu viver as personagens nas diversas fases das suas vidas e interpretá-las com mais credibilidade; a banda sonora composta por Alexandre Desplat, amena e luminosa, que acompanha todo o filme; e alguns momentos mais leves e alegres, que dão equilíbrio ao drama retratado.
Foi a primeira vez que senti lágrimas prestes a caírem dos meus olhos, a ver um filme, no cinema, numa sala cheia de gente petrificada com o que acabara de ver. Não pela beleza da história ou do filme em si; antes pelo peso afectivo que tem sobre Benjamin e nós próprios, espectadores. A dor de ver partir todas as pessoas à sua volta, de sentir que está a tornar-se numa criança saudável à medida que todos os que ama começam a desaparecer. A dor de abandonar Daisy apenas porque não pode dar uma melhor vida à sua filha, porque não pode envelhecer com ela e morrer com ela; porque acabará por morrer como uma criança e ela merece mais do que isso. A dor de, numa primeira fase, nascer e crescer como uma pessoa idosa e amar Daisy como criança; e, numa segunda fase, morrer como um bebé nos braços de uma Daisy já idosa, não se recordando de toda uma vida que passara e deixara para trás, a não ser quando a olha nos olhos uma última vez.
Cada pessoa verá esta história com olhos diferentes, e sentirá de forma diferente o que ela transmite, pois o que verdadeiramente importa é o que se sente durante a visualização do filme. Mas é do senso comum a sua essência mágica, a profundidade que atinge, a emoção que transmite a cada frame, a cada momento. Não pode ser contado; tem de ser visto para ser acreditado. E a verdade é que acreditamos em tudo o que vemos. Encontramos uma nova forma de encarar a vida e a morte, o envelhecimento e o passar do tempo, como se, em vez de andarem para a frente, os ponteiros do relógio seguissem na direcção contrária. Mas parar, não se consegue parar o tempo.
Durante quase três horas, atravessamos cerca de oitenta anos da vida invulgar de Benjamin Button, praticamente sem darmos por isso, sem querermos que a experiência acabe, tentando ao máximo prolongar aquele momento. É um épico fantasista sobre o amor, a vida e a morte, o destino, os milagres, a diferença, a experiência, a dor, mas consegue ser também uma história real que nos toca bem no fundo. As expectativas eram elevadas, mas este O Estranho Caso de Benjamin Button conseguiu superá-las. É uma obra extraordinária – não só pelo argumento único como pela realização inteligente e serena de Fincher – que ficará para a história e se tornará, sem dúvida, num clássico do cinema. É intenso, mágico, brilhante, perfeito, único, em todos os aspectos. Não resta nada para dizer, senão que há coisas que duram para sempre, e este filme é uma delas.
O melhor: A magia e originalidade da história, a perfeição da sequência narrativa e um Brad Pitt versátil.
O pior: Ter apenas três horas de duração… As diferentes etapas da vida de Benjamin foram perfeitamente colocadas na linha temporal do filme, mas se ocupassem mais tempo, a experiência seria mais longa…
As frases:- We’re meant to lose the people we love. How else would we know how important they are to us?- You never know what’s comin’ for ya.- Our lives are defined by opportunities, even the ones we miss.- I hope you live a life you’re proud of. If you find that you’re not, I hope you have the strength to start all over again.- I was thinking how nothing lasts, and what a shame that is.
Dois poemas de VÍCTOR BOTAS
Inclino-me diante dessa página que nunca
escreverei. É tão difícil isso
de transformar em símbolos as coisas,
em magia os momentos, em som
aquele corpo que pude ter amado
e que não amei. Nas noites de insónia,
uma pergunta talvez sem possível
resposta me atormenta: o que digo
de que há-de servir-me? Tu não me escutas.
É possível que não tenhas dado conta. Mas
ontem, por um instante, estive quase
a embebedar-me por te ver. (Que espécie
de álcool haverá nos teus olhos
pergunto-me, procurando
recordar a hora, aquela mesa,
com um par de cafés, e a magra
longitude das tuas mãos). Não, não tenhas medo,
que não te farei a corte: não poderia
correr tanto
risco:
como tantas
vezes consegui demonstrar,
sou muito cobarde, amiga.
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, Lisboa, 1997
Poema de Yorgos Seferis
Não foi outro o nosso amor
fugia tornava a voltar e trazia-nos
uma pálpebra descida muito longínqua
um sorriso marmóreo, perdido
dentro da erva matutina
uma concha bizarra explicá-la
procurava insistentemente nossa alma.
O nosso amor foi outro tenteava
quietamente entre coisas em redor de nós
para explicar porque não queremos morrer
com tanta paixão.
E se nos agarrámos a quadris e se abraçamos
outras nucas com toda a nossa força
e se unimos o nosso hálito com o hálito
dessa pessoa
e se fechámos os nossos olhos, não foi outro
apenas este anseio mais profundo de nos agarrarmos
dentro da fuga.
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis, Relógio D'Água, Lisboa, 1993
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Projectos?
Deixar de dormir sem tranquilizantes e barbitúricos. Já lá vão
quase dez anos. Não sei se voltarei a dormir. É tão bom dormir.
A paz dos mortos. Sabe? Assim, sou um sobrevivente. Morri aí
pelos trinta e dois ou trinta e três. Como Cesário ou Nobre. Mas
tendo falhado.
Tem medo da morte?
Tive. Mas isso na poesia. Libertei-me. Hoje tenho medo da vida.
Desta.
A poesia grega (antiga e moderna)
5ª feira, dia 29/1, pelas 21,30, no Café Progresso
"Não aspires, minha alma, à vida eterna:
Mas vai esgotando o campo do possível" - Píndaro, in Píticas III
Leitura de poemas : Cláudia Novais, André Sebastião, Rui Pena
João Borges e Olga Oliveira
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
coisas por acontecer, dois
vou morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis com
apenas vinte e quatro anos. pouco me
importa chegar a velho ou cumprir os
sonhos, porque já não saberei sonhar e
estarei morto a partir desse dia
tombarei o corpo para um largo
túmulo, onde poderá afeiçoar-se à morte
lentamente, concebendo algum
movimento, mas onde encontrará um
silêncio agreste ante todas as
tentativas de expressão,
e onde quem se abeire
o faça com a ilusão mesma dos
contactos entre dimensões, fugazes,
assustadores, mórbidos
no dia dezoito de março de mil novecentos e
noventa e seis as coisas mais pequenas
da terra serão já maiores do que
eu, na importância, no tempo, e estarão
ao nível dos meus olhos e nada mais
deverá ser o meu objectivo senão
partir definitivamente
hoje, sete de junho de dois mil e sete,
tenho trinta e cinco anos e sei
exactamente quando morri. o que aqui
têm é luz refractada e a
resistência ultrajante da palavra
(valter hugo mãe, "folclore íntimo" / Cosmorama Edições)
sábado, 24 de janeiro de 2009
Foi no dia 22 de Janeiro, mais uma Quinta de Leitura no Teatro do Campo Alegre.
Um espectáculo lindo e para recordar.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
O PÓ NEGRO DA CIDADE
As árvores das grandes avenidas
estão cheias do pó negro
do ruído da cidade.
Somos peças da engrenagem;
o homem dos impostos, os trolhas,
o funcionário do banco
que fala comigo, porque se aborrece.
Todas as manhãs, o aspirante
a poeta cumpre um horário
à mesa do café.
Motorizadas, raparigas fumam
a caminho do emprego. O gasóleo
dos transportes públicos e dos
automóveis mais potentes. O luxo
exibido ao fim da tarde. Passam
grupos de pretos
elegantemente vestidos, passeia-se
a loira da hospedaria. A s outras,
pobres, dementes, sentam-se na berma
da estrada. E, no shopping, na loja
de video um velho de aspecto reles
com gel nos cabelos e gravata vermelha.
O pai de família com a sua máquina
de filmar, os cartões de crédito,
o automóvel a prazo.
Saem das barracas, dos bairros
infectos, crianças que emigram
para junto dos semáforos. Vendem-se
na rua adolescentes ainda
de aparência saudável.
Comboios apitam, o vento mudou,
nublou-se o céu. O povo tem
uns trocos, vai a todo o lado.
Tem aquele gosto ofuscante
no vestuário e cospe para o chão.
Na classe política muitos javardos
aprendem com o livre trânsito.
Aparentam serenidade, apenas
um sorriso para encobrir a vergonha,
a pobreza de sermos tão sós. Os hotéis
de luxo repletos de turistas
da Comunidade. Vestem calções,
calçam chinelos de piscina, sentem-se
à vontade na pátria de Camões.
Os rapazes pedem moedas para o almoço,
o jantar, colam-se aos carros, não admitem
a privacidade do cidadão. Andam drogados,
já muito doentes, a boca podre.
Ainda existe o engraxador
perto da estação. Palito entre os dentes,
umas garrafas misturadas ao ofício.
O advogado, o doutor em letras
atravessam a praça compenetrados
na importância do seu papel. O fato,
a gravata, a pasta a estoirar
de documentos. Talvez no meio da confusão
haja uma carta sentimental, a foto
do filho recém-nascido: um futuro
qualquer para iludir a vida mercantil.
13ºlivro-Erosão de Sentimentos, 1997, Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
JAIME ISIDORO 1924 -2009
Um dos fundadores da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira
Jaime Isidoro, pintor, galerista e fundador da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, morreu esta madrugada, no Porto, aos 84 anos. Nascido a 21 de Março de 1924, Jaime Isidoro estudou desenho e pintura na Escola Soares dos Reis, no Porto, e realizou na sua cidade a primeira exposição individual em 1945, no então designado Salão Fantasia (na Rua 31 de Janeiro). O Porto foi o tema principal dos seus quadros, principalmente aguarelas, mas Isidoro destacou-se também na cidade como galerista e divulgador de arte, nomeadamente através da Academia e Galeria Alvarez, que fundou em meados da década de 50, e, mais tarde, com a Galeria Dois, na Boavista.
Publico, 21 de Janeiro
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Danilo Nacarato 08 - Filme de Kitesurf
Como já estamos fartos do Inverno e deste frio, este filme lembra o Verão.
O protagonista é o meu aluno Danilo Nacarato. Obteve o 2º lugar no Ranking geral do Campeonato Português de Kitesurf em 2008.
Só é pena existir uma arma neste filme. Continuo a não concordar com este tipo de efeitos visuais.

PORTUGAL - O TAL QUE ESTÁ MAL
sábado, 17 de janeiro de 2009
WAKE UP ALONE - AMY WINEHOUSE
Uma voz fantástica que retrata bem a instabilidade da vida e da paixão.
Filme - Porteiro da Noite de Liliana Cavani
Interpretação indescritível de Dirk Bogarde e Charlotte Rampling
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
‹Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim
‹ à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
COISAS QUE ME ULTRAPASSAM
Daqueles dias em que acordo
e demoro horas até
finalmente me levantar.
É doloroso
reentrar no mundo.
Recuperar do apagão da manhã,
em apenas cinco minutos dizer
“Isto é a vida”
Deixar que o dia aconteça
e pereça sobre mim.
Esta noite talvez vá a algum bar,
rodeio-me de amigos
e perco a noção de como tudo
foi penoso.
Não percebo como
“Isto é a vida”
Ninguém me sabe dizer
que lugar é o meu.
Onde encaixam
os meus passos:
há sempre Douro e há sempre
Santa Catarina ou o Almada,
há sempre dormir em camas
que se transmutam.
Enfim, há sempre por
onde escapar.
Um dia, direi que estava
perdido.
Verei a beleza da chuva, absoluta.
Agarrei-me a um lugar
perdido no meu corpo, para não
me lembrar de coisas
que me ultrapassam.
Metáforas, sílabas: máscaras.
Nunca poderei sentir
isto por mais ninguém.
É inevitável que adormeça
mal e sobre ti.
Acorde desses
pequenos nadas,
dizendo
“Isto é a vida”