sábado, 14 de março de 2009


O Fenómeno da Sedução

O fenómeno da sedução possui três características fundamentais: a subjectividade, pois o que fascina uma pessoa pode deixar outra indiferente; a desproporção, já que não existe correlação entre a relevância do estímulo e o seu efeito (um simples perfume pode despoletar uma paixão e um documentário televisivo pode mudar a trajectória profissional de um indivíduo); e a imprevisibilidade, pois a atracção do objecto surge de modo fulgurante, invadindo o espaço da pessoa afectada para modificá-lo ligeiramente ou para desordená-lo por completo. Por tudo isto, a sedução não pode ser pensada, planificada ou explicada a priori, as suas causas só são encontradas depois. Os psicólogos falam dessa flecha instantânea para se referir aos detonadores que iniciam um processo de amizade, uma porta que só abre após a misteriosa faísca que surge no momento em que duas pessoas se conhecem.
Cada um apaixona-se por um tipo de pessoa
No âmbito sentimental acontece o mesmo. Todos acreditamos que se trata do terreno da sedução por excelência, mas uma relação estável baseia-se no carinho, na admiração, no interesse ou noutras razões que fazem que o vínculo seja firme e não necessariamente satisfatório. Por isso, seria melhor falar em paixão, um sentimento que nunca se experimenta por conveniência.
Embora elementos como o dinheiro possam disfarçar de sedutor quem os possui, o processo de deixar-se arrebatar por uma pessoa é sincero, espontâneo e esmagador. Os psicólogos não sabem ao certo por que motivo acontece mas, nas três ou quatro ocasiões em que isso se produz ao longo da vida, rendemo-nos a gente parecida, a pessoas que, embora possam ter aspectos distintos, possuem características fisicas ou psicológicas semelhantes.
O segredo, por conseguinte, não reside no outro e nas suas características, mas sim em nós mesmos e nos nossos próprios gostos. Em concreto, cada qual é sensível a determinadas tipologias humanas, embora, neste jogo, alguns sejam os "engatatões" e outros os propensos a apaixonar-se.
Mais adiante, quando a paixão começa a arrefecer e é substituída pelo amor, o que nem sempre acontece, a sedução perde efervescência e o mistério dilui-se. Nessa altura, conhecemo-nos mais, mas seduzimo-nos menos.
(...) A vida oferece-nos grandes doses de beleza e a passagem do tempo ensinou-nos a saber onde encontrá-la. Ellen S. Berscheid, investigadora e professora da Universidade do Minnesota, estudou o impacto da atracção estética e a influência inconsciente que exerce nas relações interpessoais para chegar a uma conclusão tão indiscutível como injusta: para os favorecidos, a vida é mais fácil.
Devido ao "efeito de halo", como se designa em psicologia esse mecanismo de avaliação cognitivo, as pessoas de aspecto agradável são consideradas mais inteligentes, honestas e benevolentes, ganham mais dinheiro, ocupam cargos mais importantes e casam com maior facilidade. Em definitivo, seduzem.
Texto da psicóloga Pilar Varela, As Chaves Psicológicas da Sedução.
"A sedução está relacionada com o êxito no amor mas não só. Seduzimos de cada vez que comunicamos uns com os outros e conseguimos que a pessoa em causa se sinta atraída por nós. Tem uma carga genética, porque há pessoas mais extrovertidas, que conseguem seduzir mais facilmente, e outras que nem tanto. Mas também têm influência as relações precoces com pais, amigos, professores. Até os mais introvertidos aprendem técnicas para conseguir seduzir. E há quem se sirva dessa introversão para os mesmos fins, conseguindo conquistar de uma forma muito original.
ELIZABETH PEYTON
Retratos de adolescentes e figuras do rock






Retrato de Kurt Cobain por Elizabeth Peyton





SEDUÇÃO

Seduzir, no dicionário, significa inclinar artificialmente para o mau ou para o erro; enganar ardilosamente; desencaminhar; desonrar, valendo-se de promessas; atrair; encantar; fascinar; revoltar; subordinar para fins sediciosos.
A sedução faz parte do jogo que a própria vida inventou para a continuidade das espécies. Na verdade, é como tudo o que é natural. Todos os seres humanos são sedutores por natureza e a todo momento utilizam essa capacidade, de forma consciente ou não. Quando alguém fala, está tentando "seduzir" os outros para que concordem com a sua opinião. Uma criança, por exemplo, utiliza a sua capacidade de sedução para conseguir dos pais o presente que deseja.
A sedução tem a força de um enigma a resolver: o outro é um enigma e, para seduzi-lo, é preciso ser outro enigma para ele. Seduzir é desviar o outro da sua verdade e essa verdade a partir de então forma um segredo que lhe escapa. É um poder de atracção e de distração, um poder de absorção e de fascinação.

quinta-feira, 12 de março de 2009












Foto de Marco Crupi
Poema de Jorge Velhote

O meu olhar dobra-se como um seixo impelido
pela espuma do mar, declina-se como o cristal
no fogo, o brilho da bruma inflama as árvores,
no entanto, rompem líquenes e iridescentes
pétalas, os mortos rodam em redor dos troncos
as suas cabeças de musgo e pólen – silvam
como o vento nas pupilas, debicam-me as gotas
do suor, murmuram porque espreitam
sedentos a lavra discernida dos animais.


Perscruto no labirinto dos mortos a fresca sombra,
as folhas caídas na sua secura e ferrugem -- na pupila
cessa de crescer o bosque luminoso, o acaso fluvial
das sílabas, o enigma da solidão e destino --,
o que estremece quando se despenha ao alto
no antiquíssimo vinho que nas ânforas se acolhe,
o que nos ribeiros é rumor ou pousada de silêncio apenas.


Na fissura da penumbra o tumulto ensombrece o meu
olhar que declina infindo, bactéria que se hospeda
no perímetro muscular e se demora célere
expande o que observo esquecido na aragem
de um ramo de siglas e eclipses e tábuas.

quarta-feira, 11 de março de 2009


Poema de João Rios

Dez passos depois das árvores
1
no agudo labor das trevas dos dedos
acolhe o amante o campo de batalha
quer num círculo de sangue vencer a
usura de uma flor quebrada
2
flutuam as calças dos amantes abrem as guelras
ouvem-se morrendo na voz que é trapo de vento sitiado pelo mar
3
estão antes de deus mergulhados na inocência
dos frutos acrescentados pela cegueira que
pensa ser casa do corpo mas algo inquebrável neles se agita e brota do feno evolando-se
num instante pássaro agredindo o fulgor
da cabeça e as mãos desviam-se em correria feito água absorvendo-se curiosas no acto da faca que é o ventre talhado sobre a mesa
4
os amantes ramificam-se no interior da noite oferecem a urze dos cabelos que são livros pousados à espera do arremesso do sexo
livros suspensos pelo fósforo das lombadas que ultrapassam a impureza dos amplexos e se dão por bastardos da ignorância do ar
5
se o que os atravessa se despenha no horto como pedras exaustas de ter pássaros doendo nas raízes
acordam os pés cegam as árvores
são uma paisagem de costas atando-os à robustez equídea que os ocupa
6
é um coágulo de flor no sono a bruma
ou pulso abatendo-se sobre as suas cabeças desabotoando-se ascende arrastando a memória pelos cabelos porque os seus dentes são inexpugnáveis estames sorvendo o oxigénio
7
deitam-se depois das árvores vagarosamente
escorrendo o seu peso desembruxados dos
gravetos que os sustentam debulham os ecos
de deus entornam-se na pele atordoada dos
frutos
chamam ao silêncio restos das aparências do mundo levitam inchados na teia dos mamilos
procuram no útero os tendões de um sismo

terça-feira, 10 de março de 2009


10 DE MARÇO - HAPPY BIRTHDAYS TO YOU JB

LOVE COME BACK TO MY HEART











Retrato de João Borges por Graça Martins, acrílico s/tela, 80x120cm, 2008
(...)
Pouco ou nada me pertence. Morrerei e as cinzas ficarão nas ondas onde corpos que tanto desejei se irão banhar.

Que sono me fecha os olhos, que morte? De onde vem, agora, este colapso.

Estou sempre com sede, nunca me canso de beber. Visto-me de preto porque a luz me incomoda. E nunca digo "É agora". Nunca senti que pudesse ir. (...)


João Borges

domingo, 8 de março de 2009

Dia 8 de março


POEMA DE ISABEL DE SÁ

ELOGIO AO AMOR

Encontram-se num bar,
uma era escritora e a outra
master em literatura inglesa.
Ambas nascidas no princípio do século,
viriam juntas a celebrar a vida.
Ainda eu não tinha nascido
e elas fixavam residência
na ilha dos Montes Desertos
para o esplendor e a decadência.
Marguerite preocupada
com o enigmático percurso da vida:
papeis em ordem, placa fúnebre.
Grace
fustigando a morte,
coração queimado pela doença
intrusa.
A privação das viagens foi tormentosa,
a glória e a desolação
foram um só corpo.
É preciso esquecer
que a vida mata e o espelho
reflecte aquilo que somos.
Ficaram as cinzas
no cemitério da Ilha.
DeeDee, a incansável, o ser de excepção.

Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005
MARGUERITE YOURCENAR


DIA 8 DE MARÇO

MARGUERITE YOURCENAR

Marguerite Yourcenar nasceu em 1903, em Bruxelas. As suas obras, situadas no ambiente da Roma clássica e do Renascimento, abordam a homossexualidade, a androginia e a mística oriental. Alexis, Memórias de Adriano e A Obra ao Negro são alguns dos seus sucessos.
Marguerite, viveu 42 anos com Grace Frick, uma americana Mestre em Literatura Inglesa, que conheceu em Paris.
Marguerite Yourcenar foi a primeira mulher a ser membro da Academia Francesa, em 1981. Faleceu em 1987 com 84 anos e ninguém da Academia ( fundada em 1635) compareceu no funeral. Nunca lhe perdoaram ter sido eleita, mulher e homossexual.

quinta-feira, 5 de março de 2009


«(...) o homem é uma inovação recente.»

Michel Foucault

Paulo da Costa Domingos

Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e que causou um alvoroço enorme
Eu arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para dentro duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na tua rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homoxessual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou dos que perde os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com a tua filha
Tenho vícios astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de mulher, visto-me de homem, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies mais com os teus problemas transcendentes

Travesti, & etc, Lisboa, 1979

quarta-feira, 4 de março de 2009



















GUSTAVE COURBET
A Origem do Mundo, 1886

Como seria de prever, publicaram-se centenas de textos, na imprensa escrita mas sobretudo na blogosfera, sobre a bizarra história da apreensão pela PSP de Braga de uns quantos exemplares do livro Pornocracia, de Catherine Breillat (Teorema), com o pretexto de que a capa, ilustrada pelo mais célebre dos quadros de Gustave Courbet (L’Origine du Monde, 1866), seria «pornográfica».O tom geral foi de condenação e revolta diante da tacanhez dos polícias e de solidariedade pelo livreiro, elevado a símbolo de resistência à censura. Ou seja, todos nos indignámos e todos escrevemos mais ou menos o mesmo (eu só não escrevi porque outros o fizeram antes e provavelmente melhor; não valia a pena chover no molhado). Casos como este, já se sabe, tendem a provocar o derramamento de rios de tinta, mas rios de tinta que correm sempre no mesmo sentido. O protesto transforma-se assim num gesto unânime, capaz de unir vozes habitualmente dissonantes.Foi por isso que gostei de ler a abordagem heterodoxa e provocatória de António Guerreiro, na edição de ontem do Expresso.Eis o texto integral da sua microcrónica:
«Devemos a Robbe-Grillet esta definição: “A pornografia é o erotismo dos outros.” O escritor francês aniquilava assim uma distinção que sempre serviu para sossegar as boas consciências. A propósito do episódio policial que levou à apreensão de alguns exemplares de um livro que reproduzia na capa um quadro de Courbet, “A Origem do Mundo”, há algo muito mais interessante para ser pensado do que a tentativa patética de censura. A Polícia desfez o que tinha feito na véspera com o argumento de que a capa “reproduz uma obra de arte”, como se a arte fosse incompatível com a pornografia. Mas a caução artística seria, em si, insuficiente – não funcionaria da mesma maneira para uma obra de arte contemporânea e para um artista não consagrado – se não tivesse sido invocado o estatuto canónico do quadro, que lhe é concedido pelo nome do autor e pelo lugar onde se encontra exposto (o Museu d’Orsay). O olhar censório da Polícia – condenável, é certo – responde de maneira mais exigente ao quadro de Courbet e presta-lhe mais justiça do que o estetismo desta argumentação: “O artístico e o estético não podem ser confundidos com o pornográfico.”»
postagem do blog Bibliotecário de Babel, Domingo, 1 de Março de 2009
















A revista DARCO Magazine celebra o seu primeiro ano de existência com uma conferência de arquitectura que terá lugar na Casa da Música no dia 7 de Março, pelas 21.30h. O evento marca o lançamento do sétimo número da revista e tem como principal orador o arquitecto Manuel Aires Mateus. Será instalada uma exposição no local dos últimos trabalhos desenvolvidos pelo gabinete Aires Mateus & Associados. Complementarmente, a celebração de aniversário contará ainda com a presença de um DJ e projecção de imagens no “foyer” da Casa da Música.Os bilhetes encontram-se disponíveis em www.casadamusica.com - 5€.Todas as edições da revista podem ser consultadas online através do site www.darcomagazine.com.

terça-feira, 3 de março de 2009


JUAN LUÍS PANERO

O QUE RESTA DOS VIOLINOS

Quando te esqueceres do meu nome,
quando o meu corpo for apenas uma sombra
a apagar-se entre as húmidas paredes daquele quarto.
Quando já não te chegar o eco da minha voz
nem ressoarem as minhas palavras,
então, peço-te que te lembres de que fomos
uma tarde, umas horas, felizes juntos e foi belo viver.
Era um domingo em Hampstead, com a frágil primavera de Abril
pousada sobre os rebentos dos castanheiros.
Passavam para a igreja apressadas freiras irlandesas,
crianças, endomingadas e bisonhas, pela mão.
Em cima, atrás das sebes, na verde penumbra do parque,
dois homens beijavam-se lentamente.
Tu chegaste, sem que me desse conta apareceste e começámos a falar,
tropeçámos de riso nas palavras, balbuciávamos
no estranho idioma que nem a ti nem a mim pertencia.
De seguida fizeste-te pequena nos meus braços
e a erva acolheu os teus cabelos escuros.
Depois as escadas sombrias, longas e estreitas,
o tapete com cinza e gordura,
os teus pequenos seios desolados na minha boca.
Sim, às vezes é simples e é belo viver,
quero que recordes, que não esqueças
a passagem daquelas horas, o seu esperançado resplendor.
Eu também, longe de ti, quando perdida na memória
estiver a sede do teu sorriso, lembrar-me-ei, tal como agora,
enquanto escrevo estas palavras para todos aqueles
que por um momento, sem promessas nem dádivas, limpamente se entregam.
Desconhecendo raças ou razões se fundem
num único corpo mais aventurado
e depois, acalmado já o instinto,
se separam e cumprem o seu destino
e sabem que, talvez só por isso,
a sua existência não foi em vão.

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, 2003
Sessão de Poesia dedicada a
Jorge Luís Borges





















"Amor em tempo de crise"
próxima 5ª feira dia 5 de Março pelas 21,30
Café Progresso - Porto
com TANGO ARGENTINO ao vivo!
POETRIA

Foto de Marco Crupi

domingo, 1 de março de 2009


Foto de Marco Crupi
Juan Luís Panero

ANTES QUE CHEGUE A NOITE

Antes que chegue a noite sobre o mar
e atire o vento da nortada
as minhas húmidas cinzas para o nada.
Antes que os gastos gestos se dissolvam,
tal como um sorriso que se transforma em esgar
ou os cansados espasmos de um amor extinto.
Antes, ainda, como este sol sobre as ilhas,
tenaz ponto de luz, cor intensa,
que as minhas palavras desenhem meu fantasma,
salvo e perdido, na pura intensidade da vida.
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, Lisboa, 2003

sábado, 28 de fevereiro de 2009


Foto de Graça Martins

Dois Poemas de João Borges

NO SILÊNCIO O INFERNO


O silêncio do meu quarto
está crivado de sangue.
Será isto o inferno?

As luzes da cidade
não me trazem os teus passos.
Posso esquecer o tempo,
os nossos encontros roubados
ao sono, tudo.

O frio toma conta de mim.
Sento-me numa pedra
à espera de viver.
PORQUE ACONTECE?

Abri a caixa
onde guardava as nossas coisas.
Incapaz de me conter,
devastado, deixei de existir.
Dentro de mim
o caos avançou, avançou.
A chuva de verão
não parava de cair
e as palavras eram
o corpo da traição. Voltei
a morrer uma vez mais.

Desenho de Graça Martins



Três poemas de Luís Miguel Nava

O CÉU AGRADA-ME PENSAR

O céu agrada-me pensar que é a memória de dois ou três amigos, aqueles contra cujos lábios a partir de dentro empurraremos docemente os nossos nomes e que, quando levam a comida à boca, sabem que é a nós que estão a alimentar. São dois ou três amigos, aqueles só em cujos corações enfiamos achas, o clarão atinge-lhes os olhos, pensarão: hoje a memória é como se a trouxéssemos em braços. Não sei se quando o mar lhes vier ao espírito o ouviremos rebentar, o certo é que por ele às vezes sobem as marés. Há ondas que se vê terem por ele passado antes de contra os nossos corpos deflagrarem.
OS OLHOS
Sempre que sobre mim poisava os olhos, o olhar dele era o de quem os volta para dentro de si próprio, como se nesse espaço me quisesse aprisionar ou dele, sem que eu sequer o suspeitasse, há muito me tivesse feito residente. Raro era , porém, surgirem sob as pálpebras, no rosto, onde seria de esperar vermo-los, esses olhos. Não o faziam senão quando, como depois veio a ser sabido, até aí com ímpeto os alçava o seu mar interior nas suas cristas.
O NOME
Todo ele estava torcido para dentro da memória.
Sentia-se-lhe o corpo a abarrotar de sombra, a qual se lhe escapava com frequência pela boca, destruindo-lhe assim parte da cabeça.
Há quem sugira que o seu nome, de que nunca ninguém soube a forma exacta, se situa onde dele nada aos nossos olhos é visível; quem pelo contrário admita que talvez alguém a quem o coração sirva de lupa algures o venha ainda a decifrar.
Escalda-me a saliva onde a memória a surpreende, costumava-me ele dizer. Começa-se o verão a descolar por toda a parte. A uma luz que de nós próprios irradia é impossível conhecer seja o que for.
Rebentação, & etc, Lisboa, 1979

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


O seu tempo é o presente, o seu desejo é parar o tempo, o nunc stans, o eterno. Quando o tempo pára, as coisas revelam a perfeição da sua essência, e acabam todas as aspirações porque se está para lá do desejo.

Alberoni

domingo, 22 de fevereiro de 2009

A Nova Desordem Amorosa
Pascal Bruckner Alain Finkielkraut

O TUMULTO
Amo-te: esta mensagem supostamente primeira é de facto um entrançado de afectos exclusivos e indissociáveis e na sua aparente simplicidade combina o júbilo, a ansiedade, a homenagem e a alergia. (...)
«Amo-te» é antes de mais, é a sua evidência gramatical, uma fórmula afirmativa: proclama um êxtase, afirma um paroxismo, denomina uma felicidade. É também optativo: digo«amo-te» para voltar a ser o «eu» que, desde o meu amor, já não sou, para reintegrar o rubro da intensidade e da substância do qual fui deposto. Falo de um não-lugar - onde deixei de ser; designo um lugar - «tu»- onde o Outro ainda não está, mas onde desejo vê-lo descer. «Amo-te» é portanto uma expressão propiciatória que pede aos prenomes para produzirem pessoas: «eu» revela a nostalgia da interioridade perdida, e «tu» revela o desejo que o objecto amado corresponda a uma identidade. No «amo-te» existe também a veemência do imperativo: ama-me! Ordeno-te que me ames! é preciso que pagues a tua dívida. Meu amor, quer queiras quer não, faz de mim o teu credor: foi um mal, uma ferida que fizeste e que apenas poderás curar aceitando a reciprocidade. Para exigir que me ames, apoio-me no meu amor, exactamente como o debochado, nas instituições sádicas, se apoia no desejo que experimenta para submeter o ser cobiçado. todos os ternos enamorados são sádicos do afecto e a sua confissão de dependência é exigência de reparação.
Finalmente, é preciso perceber o «amo-te» na interrogativa: amas-me? Pergunta-pânico pois é a minha entrada no paraíso que está subordinada à resposta. Ouvir o consentimento, com efeito, far-me-á mudar de mundo.

Cantus in memorian Benjamin Britten - Arvo Part

Bailado Pedro e Inês de Olga Roriz Música - Arvo Part

Bailado Isolda de Olga Roriz Música -Tristão e Isolda de Richard Wagner

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009




A Nova Desordem Amorosa
Pascal Bruckner & Alain Finkielkraut
O amor transfigura seres vulgares em seres de fuga: é quando o outro frustra as minhas projecções e confunde os meus fantasmas que tenho a certeza de o amar. O pleonasmo amor étereo. Mas o privilégio de um ser volátil é poder desaparecer, e toda a cintilação evoca a iminência do seu desvanecimento.
«Uma gaiola ia à procura de um pássaro», escreve Kafka; isto, em matéria de amor, pode enunciar-se assim: uma palavra-gaiola ia à procura de um Outro-pássaro.

Simone &Milton Nascimento - Eu Sei Que Vou Te Amar

A Música Brasileira no seu melhor de outros tempos...

Nada Mais por Gal Costa

A simplicidade das palavras e a intencionalidade conseguida

Um Dia de Domingo - Gal Costa & Tim Maia

A economia das palavras numa voz cristalina

Dos 8 aos 80, Histórias Pintadas

Ilustração de Graça Martins para a história a camisola arco-íris


Dos 8 aos 80, Histórias Pintadas
Seis histórias e seis pintoras.
Armanda Passos, Emília Nadal, Graça Martins, Graça Morais, Gracinda Candeias e Paula Rego assinam as imagens de um livro escrito para qualquer idade.
Da autoria da jornalista Helena Osório
Editor - Editorial Novembro
SÁBADO 21 DE FEVEREIRO pelas 17 Horas
Apresentação da obra na livraria Centésima Página em Braga, com a presença da autora, algumas das pintoras e exposição das ilustrações originais.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

EASY RYDER de Dennis Hopper

Homenagem aos 40 anos de Easy Rider - Este filme será exibido no Fantasporto

O filme que marcou a grande viragem do cinema norte americano na década de 60, em pleno movimento hippie. Dennis Hopper e Peter Fonda nas suas Harley's percorrem o interior profundo da América num filme de extrema actualidade.

FANTASPORTO - Cinema e Arquitectura

Não é possível pensar-se a relação entre cinema e arquitectura sem regressar ao mítico METROPOLIS de Fritz Lang. Antes de : THE MATRIX BLADE RUNNER STAR WAR e 2001: A SPACE ODYSSEY

Metropolis de Fritz Lang

Artificial Inteligence de Steven Spielberg

Blade Runner de Ridley Scott

Immortel de Enki Bilal

UMA BELEZA Vi ontem este filme no Rivoli Fantasporto

O designer e homem da BD Enki Bilal traz-nos em "Immortal" um dos melhores exemplos do conceito arquitectónico aplicado à banda desenhada e, neste caso ao cinema de animação. Os seus trabalhos de que se destacam os publicados na revista Heavy Metal, têm uma marca inconfundível de arquitecto. A transição para o cinema era inevitável. Depois da experiência de "Tykho Room" e sobretudo de "Bunker Palace Hotel", ambos exibidos no Fantas, Bilal reinventa o género ao fazer um filme híbrido onde personagens reais ( como Charlotte Rampling) interferem e coexistem com CGIs numa Nova Iorque Futurista.
http://www.fantasporto.com/
valter hugo mãe

o freud senta-se aos pés da cama

temos os dois exactamente o mesmo
sonho à noite. o freud senta-se aos pés da
cama e angustia-se. por definição, ele
estará ali horas, como em túneis, optando
por mais túneis, escondendo extremamente
o motivo por que veio falar-nos. a mim,
desespera-me o facto de me ser impossível
entender alemão e aconselhá-lo no caminho
para a felicidade. o bruno regozija no
momento em que julga ter conseguido um
autógrafo válido para depois de acordar.
acordamos.na minha casa o silêncio
parece ainda esconder a presença do freud. na casa
do bruno não está ninguém. ele diz-me,
a cada noite me fica mais distante a
conclusão do universo, a ternura da vida, a
explicação vocabular. Há como que um
emudecimento contínuo que nos levará a
uma anulação completa da existência. eu
admiro o freud por nos ter denunciado e nos
procurar para expiação da sua eternidade. eu
odeio acordar sem garantia de que a vigília
me será mais favorável do que o sono, porque
a cada noite me fica mais distante a
conclusão do universo, a ternura da vida, a
explicação vocabular.

podemos fazer festas ao freud como a um
gato que se aninha tão coitado. mas
a psicose ressente o pai e dá-nos para
sangrar como torneiras abertas sobre
o mais provável do futuro. sabemos que
não vamos ser felizes. mas impomos a
nossa existência aos gritos, e queremos
manter tudo assim, hirtos no combate
diário e em exultantes modos, somos como
varas de fogo de artifício e, perseguidos
por freud, não deixamos de ser deslumbrantes
e maravilhar as fileiras de mulheres alistadas
para a nossa guerra

vem cá bichano, está tudo bem, é o freud, sim,
mais uma vez sentado aos pés da cama

folclore íntimo,cosmorama edições, 2008

domingo, 15 de fevereiro de 2009

FOTOS de BILL DURGIN









Fotos de Bill Durgin
Fotógrafo americano fascinado pelo corpo humano. Nas palavras do próprio, «as minhas fotografias expressam o meu fascínio pelo corpo humano enquanto forma. A estrutura física torna-se não só uma concha, mas também uma escultura em movimento feita de pele, músculo, gordura e ossos»



sábado, 14 de fevereiro de 2009


















Foto de David Hamilton

VALENTINE'S DAY

E assim termino este dia, com uma figura emblemática da musica brasileira - ALCIONE fala-nos de emoções ao rubro e de relações atravessadas por algum Tsunami.

Minha Estranha Loucura por Alcione

Quatro poemas de João Borges

MADRUGADA LENTA – ADÁGIO

Sentindo o teu peito
dourado, o ventre
liso, num gemido
o sexo
queima as pernas.
Quero de ti
o orvalho mais vivo.
PEDRA

Esta pedra que não vês
mas eu sinto
explodirá no teu peito.

Observo lentamente, não
tenho pressa. Nascemos
para o desejo. Pedras,
sangue, esperma,
tudo explode
no limite dos corpos.
ANÁLISE DO ROSTO

Um rio de lume
une a nossa pele,
o rosto inteiro.

A estrada prolonga-se
até ao deserto onde a noite
é sempre noite.

Fecha os bares onde estou,
desencontrado. Leva-me
para casa e adormece-me
pela primeira vez.
O SANGUE: O CORAÇÃO

Nunca te quis matar
em mim. Nesta encruzilhada
o sangue enlameia o coração.
Peço apenas que me deixes ser
a roupa do teu corpo.

Três poemas de Isabel de Sá

A flor de papel em violento rosto. De difuso braço a música eclodia. A palavra ardente sobre o lago. Os fumos.
Um amigo despede-se de outro amigo. Gesto a deslizar. A placa de espelho, serpente em relevo e fina textura. Flor de papel doirada sobre a mesa, tocando a página, o livro.
Um homem despede-se de outro homem. A luz irrompe das pupilas e em árvore se transforma.
O corpo do rapaz irradiava um esplendor juvenil. Os músculos eram macios, a pele coberta por uma penugem ainda leve.
Atravessáramos o Inverno absorvidos pela ânsia de conhecimento. Não seria especialmente a ternura ou o afecto que nos unia, antes a aventura dos corpos no extremo da adolescência. Ele tinha uma forma peculiar e sensível de brincar com os meus cabelos muito lisos, fazendo passar por eles os dedos como agulhas. Este corpo de rapaz vivera no poema.
Um mamilo pequeno e claro trouxera à minha pele lenta memória de infância: a menina que um dia me tomara por recém-nascido alimentando-me do seu brevíssimo seio.
Chegara Setembro com a poalha ténue do entardecer. Nossos corpos entravam no estado adulto onde cada um procurava o poema, isolado numa solidão própria.
Só o lume dos teus beijos rompe
a treva onde a solidão nos mata.
Enrolamos a vida no escuro,
na semente de um amor atribulado.

Conhecemos o ritmo e a sede,
a convulsão do desamparo.
No sentido do corpo, no acerto
desce a força pelos braços
na violenta festa do prazer.

Tudo o que disseste
no desaforo da paixão
só podia incendiar a vida inteira
e encher de esperança o universo.

Isabel de Sá, Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005
14 de Fevereiro Dia dos Namorados, dos Amantes, dos Apaixonados.




A Metáfora do Coração - Maria Zambrano

A visão do coração
(...)
O coração em chamas ou o fogo do coração é uma metáfora, a forma de que se revestiu nas suas aparências históricas. Mas na terminologia popular, nessa vida que o «coração»levou em seus fieis territórios, o coração não é fogo, mas parece apresentar-se em símbolos espaciais: é como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juizos e daquilo que pode ser explicado. é amplo e também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada. Encontrar também a solução de um conflito interior quando se caiu num labirinto inextrincável por obra das enredadas circunstâncias. Nesta cultura permanente do coração, não arde como fogo mas como chama, chama que não produz dor mas felicidade. E é luz que ilumina para sair de impossíveis dificuldades, luz suave que dá consolo. Nesta mesma cultura, o coração tem feridas; lentas, às vezes impossíveis de sarar; dir-se-ia que as feridas nele nunca se fecham porque têm um certo carácter activo, são feridas vivas, como feridas, das quais emana constantemente uma gota de sangue que impede a sua cicatrização. E, por último, o coração pesa; e é o pior, pode fazer sentir o seu peso, que equivale ao do universo inteiro, como se nele, pesasse a vida de alguém que, na vida, não pode já vivê-la. (...)
A Metáfora do Coração, Assírio & Alvim, Lisboa, 1993